quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Pintura

Pintar o corpo
Como os índios
Na impossibilidade de pintar
A vida

Pintar o corpo
Para que do corpo a tinta escorra
E pinte a vida

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Para celebrar a vida

MADRIGAL MELANCÓLICA

Manuel Bandeira

O que eu adoro em ti
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza

O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas

O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz

O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza
O que adoro em ti lastima-me e consola-me
O que eu adoro em ti é a vida.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Tempo

Não existe o dentro
Do pó
Só existe o fora
O externo
Ao pó

Por isso
O pó não tem
Tempo
O pó não sabe
O que é
Tempo

É, o pó é atemporal
Ele condensa a magia
Do ser
Simplesmente
Sem futuro
Ou passado
O pó apenas é
E só

domingo, 27 de setembro de 2009

sábado, 26 de setembro de 2009

Da série "Tão legal que dá vontade de dividir"



A imagem aí do lado é de uma pintura de John Baldessari que se chama God Nose. Mal a vi, pensei, como sempre acontece nessa série, que precisava postá-la aqui.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Porque a primavera chegou



A imagem aí de cima é pra celebrar a primavera, que começou ontem.

Que ela esteja também dentro da gente. Por tempo suficiente pra que a gente possa compreender melhor a vida, compreender melhor de forma a passar pelo próximo inverno melhor do que passamos pelo inverno passado. Pra sem muito sofrer, sobreviver ao próximo inverno.

(A foto é de um trabalho de Jaime Tarazona)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Una terrorista amorosa

"La policía colonial consideró que su presencia incontrolada era un foco de desorden en la tranquila calle. Me dijeron que la expulsarían del país si yo no la recogía. Yo sufrí varios días, oscilando entre la ternura que me inspiraba su desdichado amor y el terror que le tenía. No podía dejarla poner un pie en mi casa. Era una terrorista amorosa, capaz de todo.

Por fin un día se decidió a partir. Me rogó que la acompañara hasta el barco. Cuando éste estaba por salir y yo debia abandonarlo, se desprendió de sus acompañantes y, besándome en un arrebato de dolor y amor, me llenó la cara de lágrimas. Como en un rito me besaba los brazos, el traje y, de pronto, bajó hasta mis zapatos, sin que yo pudiera evitarlo. Cuándo se alzó de nuevo, su rostro estaba enharinado con la tiza de mis zapatos blancos. No podía pedirle que desistiera del viaje, que abandonara conmigo el barco que se la llevaba para siempre. La razón me lo impedía, pero mi corazón adquiríó allí una cicatriz que no se ha borrado. Aquel dolor turbulento, aquellas lágrimas terribles rodando sobre el rostro enharinado, continúan en mi memoria."

(Pablo Neruda, Confieso que he vivido)

domingo, 20 de setembro de 2009

Pertencer II

Tava com um post em mente quando, ontem pela manhã, abri minha caixa de entrada de e-mails e dei de cara com um e-mail de uma amiga, um e-mail lindo, que, de brinde, me trouxe uma carta escrita por Caio Fernando Abreu pra uma amiga e que consta em um livro que a minha amiga tá lendo: Caio Fernando Abreu: Cartas.

A certa altura da leitura da carta (na verdade, quando Caio Fernando escreve: "Você pergunta: 'todos os vernizes descascam?' Eu acho que para quem tiver a coragem de deixar descascar, sim."), lembrei do meu último post, o que me fez ter vontade de compartilhar parte da tal carta com vocês, compartilhar como minha amiga compartilhou comigo.

Ele diz:


"Você pergunta: 'todos os vernizes descascam?' Eu acho que para quem tiver a coragem de deixar descascar, sim. E isso é bom. Além da nossa condição de insetos (menos, protozoários) na superfície de uma bolinha azul imensa perdida e ferida no infinito originário de um suspeito - e incompreensível - big bang, além do nosso medo IMENSO dessa condição de pena também IMENSA que brota pelo humano, vai restar sempre O MISTÉRIO. Que eu posso chamar de Deus, de runas, de Buda, Tarot, Oxalá, qualquer coisa assim meio trans.

E a gente crê - como eu creio, e essa crença não é intelectual, ao contrário, é totalmente irracional, instintiva, muito mais funda que o pensamento discursivo - nesse MISTÉRIO, suponho que a gente esteja "salvo". Salvo do medo, do terror, da loucura, do suicídio, do homicídio, do alcoolismo desesperado (que já provei também).

Anotar na agenda mental: reler Fernando Pessoa, principalmente Alberto Caeiro (em anexo, poema de Ricardo Reis); re-ouvir Terra de Caetano; reler aqueles poemas zen póstumos de Cecília Meireles. Ou não reler nem ouvir nada. Pegar as pedras fortemente e apertá-las contra o peito, comprimir a cabeça e o corpo inteiro contra as árvores, pisar descalço na terra, colocar balas e doces (sempre em número ímpar) ao pé das árvores grandes para os duendes e devas e erês comerem e ficarem teus amigos, deixar na cabeceira da cama toda noite copos de água com açúcar para as fadas virem beber de madrugada. Acender velas para chamar Luz, jogar rosas amarelas nas águas dos rios para Oxum. Coisas assim: ritualizar, para dialogar com O Mistério. Para que ele te/nos proteja. Coisas claras, panos brancos, incensos e flores. Purificar, purificar o que na essência da nossa condição humana é pura e medonha treva de desconhecimento de todos os porquês."


A Marina, que fez minha manhã mais bonita. :)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

sutileza

pequenas alfinetadas diárias
ferem mais fundo que uma peixeira

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

o espírito do despertar
é a mansidão
só mesmo um trovão
pra acordar gritando

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Pertencer

Nada de se pertencer
Pra poder mudar
Quem se pertence são os documentos
Históricos

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Canção

Semana passada, tava ouvindo rádio quando me deparei com uma música de Isabella Taviani (a única dela de que gosto), uma música que, há uns dois anos, acho, tocava diariamente na Nova Brasil FM por volta das 7h30 da manhã (é, a Nova Brasil tem dessas coisas), o que me fazia não esquecer de ligar o rádio antes de ir pra faculdade. Como acontecia naquela época, deixei, por uns minutos, de lado a rotina e esperei a música terminar, cantarolando o meu verso preferido ("ser feliz é uma estrada sem fim").

À letra, então, né?:


"Canção para um grande amor
Composição: Isabella Taviani

Mas agora vai
Deixa o vento te seduzir
Deixa o novo sonho te invadir
E não volte nunca mais aqui pra me esperar

Agora vai
Lança teu destino em outro mar
Não recues nunca pra ancorar
Nunca pra duvidar

Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos

Mas agora vai
Porque há vida em outra dimensão
Porque há paz no outro coração
Por que com a gente não!
Por que com a gente não?

Agora vai
Buscar os novos horizontes
Pousar no colo de outros ombros
Saciar a sede do teu corpo louco

Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos

Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos

Vai pra sempre vai
Ser feliz é uma estrada sem fim
Tens a força que eu nunca atingi
Tens a dor mas ainda sei que tens a mim

Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos

Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos

Deixa o sol queimar a tua pele
O céu forrar a tua cama
Tua chama, teus desejos

Deixa o sol queimar a tua pele ..."

sábado, 12 de setembro de 2009

Brevidade

A brevidade é uma estrela cadente.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

direito fundamental

a janelas sem grades
- para execermos a liberdade -
a uma árvore frutífera na porta de casa
- para lembrar a força da terra -
a ter um céu com estrelas ou lua
- para alargar os horizontes -
a dar boas risadas, a tomar banho de chuva,
a chorar sem motivo, a ter bons amigos,
a ter tempo livro, a ler um livro de poesias...


são esses os meus desejos pra Carol hoje e sempre.

"Who I have become"



Lembrei desse cartão que vi, uma vez, no postsecret (www.postscret.com) e fiquei com vontade de postar aqui. Fiquei com vontade porque o acho fofo e poético (por causa da flor, que, pra mim, é uma metáfora das coisas boas que surgem).

Que sejamos sempre capazes de nos transformarmos, mas de nos transformarmos de um modo que, a cada dia, gostemos mais de nós mesmos. Esta é a minha oração pra o dia de hoje. :)

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Viva

Ela estufa o peito
Antes de chorar
Pra mostrar que não se rende

Não, o choro dela não quer ser um armistício
O choro dela só quer fazer com que se sinta viva
Com que se sinta, por um momento, viva
E não uma pedra

domingo, 6 de setembro de 2009

Relatividade II

Lia a autobiografia de Neruda ("Confesso que vivi") quando algo me fez lembrar das coisas sobre que falava no meu penúltimo post.

Dizia Neruda:


"Esperé largo tiempo, solo, con el corazón acongojado por la oscuridad intensa de la noche extranjera. Iba a morir sin que nadie lo supiera! Tan lejos de mi pequeño país amado! Tan separado de todos mis amores y de mis libros!

De pronto apareció una luz e otra luz. El camino se llenó de luces. Sonó un tambor; estallaron las notas estridentes de la música camboyana. Flautas, tamboriles y antorchas llenaron de claridades y sonidos el camino. Subió un hombre que me dijo en inglés:

- El autobús ha sufrido un desperfecto. Como será larga la espera, tal vez hasta el amanecer, y no hay aquí dónde dormir, los pasajeros han ido a buscar una troupe de músicos y bailarines para que usted se entretenga.

Durante horas, bajo aquellos árboles que ya no me amenazaban, presencié las maravillosas danzas rituales de una noble y antigua cultura y escuché hasta que salió el sol la deliciosa música que invadia el camino.

El poeta no puede temer el pueblo. Me pareció que la vida me hacía una advertencia y me enseñaba para siempre una lección: la lección del honor escondido, de la fraternidad que no conocemos, de la beleza que florece en la oscuridad."

sábado, 5 de setembro de 2009

tarde no parque

os pés pousam a grama levemente molhada
carícia
os olhos pousam no céu
azul
os ares carregam o cheiro sutil
liberdade!

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Resistência

Impossibilitado de falar, ele encapsulou a voz na palavra escrita.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

setembro

todos os anos as calçadas tingidas de rosa
me lembram que setembro chegou
e com ele trouxe os dias de felicidade ensolarada

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Relatividade

Estou na estrada e é noite. Me sinto plena na escuridão total no meio do nada, me sinto plena e percebo o quanto tudo é relativo. Sim, porque, em tese, a escuridão é daquelas situações desesperadoras. No entanto, é algo que, ao menos quando estou na estrada, amo, algo que me aquieta.



(Escrevo o texto aí de cima e lembro de um livro de Mia Couto que li certa vez e que falava sobre a possibilidade de, se não estou enganada, encontrar a luz que brota na escuridão.

A Luaní, que, outro dia, me emprestou um livro de Mia Couto)