sexta-feira, 31 de julho de 2009

Sobre doces e tristeza e prazer

"(...) não vou ter nenhuma pimenta na minha cozinha. A sopa pode dispensar pimenta... Talvez seja a pimenta que deixa as pessoas esquentadas", continuou, muito satisfeita por ter descoberto um novo tipo de regra, "e o vinagre que as deixa azedas... e a camomila que as deixa amargas... e os doces e as balas que deixam as crianças dóceis. Só queria que as pessoas soubessem disso, pois então não seriam tão mesquinhas com os doces...'"

****

"Não tinham andado muito, quando viram a Tartaruga Falsa à distância, sentada triste e solitária numa pequena saliência de rocha, e, quando chegaram mais perto, Alice a ouviu suspirar como se o coração fosse se partir aos pedaços. Sentiu muita pena dela? "Qual é a sua tristeza?", perguntou ao Grifo. E o Grifo respondeu, mais ou menos com as mesmas palavras de antes: "É tudo fantasia dela, ela não tem nenhuma tristeza. Vamos!'"

****

"(...) ela se compadeceria de suas tristezas simples e encontraria prazer em todas as suas alegrias simples, lembrando-se da sua própria infância e dos dias felizes de verão."

(Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Todo o sentimento

O amor é mais belo quando se aprende a vivê-lo com leveza. Quando se vive apenas a seu tempo. Enquanto é vivo e intenso. Quando não se insiste em prolongar. Quando não se espera perder a cor para saber que é tempo de ir embora. É preciso fechar a porta quando no último olhar o amor ainda é belo, para que se possa guardar a beleza. Assim, belo na lembrança o amor em novas vestes segue ao nosso lado. Diferente, mas amor. Há amores que nos acompanham.

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente.
Preciso conduzir
Um tempo de te amar,
Te amando devagar e urgentemente.

Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez,
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez.

Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente...
Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.

Depois de te perder,
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.

(chico buarque)

Dança

Começo a pensar que a vida é uma grande dança, boa ou ruim, mas uma grande dança.


"Disse a branquinha ao caracol: "Vê se apressa esse passo!
Pisam na minha cauda, há um delfim em nosso encalço."
Lagostas e tartarugas, ansiosas, avançam!
Esperam entre os seixos - você vai entrar na dança?
Não vai, vai, não vai, você vai entrar na dança?
Vai, não vai, vai, você não vai entrar na dança?

"É tão delicioso, você nem pode imaginar,
Quando nos atiram, com as lagostas, para o mar!"
Mas, disse o caracol, "Longe demais", sem confiança...
Ficava muito grato, mas não ia entrar na dança.
Não, não podia, não, não ia entrar na dança.
Não, não ia, não, não podia entrar na dança.

"Longe? Mas e daí?", respondeu a amiga escamada.
"Você bem sabe que existem praias do outro lado.
Se longe da Inglaterra, muito mais perto da França...
Meu caro, não tenha medo, trate de entrar na dança.
Não vai, vai, não vai, você vai entrar na dança?
Vai, não vai, vai, você não vai entrar na dança?'"

(Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas)

quarta-feira, 29 de julho de 2009

leveza

"pipas no céu
entre pássaros de penas
asas de papel"
Maria Valéria Rezende

















Este haikai é de um livro de Alice Ruiz e Maria Valéria Rezende só de haikais voltado para o público infantil. Quer dizer, também para crianças.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Amizade

Ouvindo Vinicius de Moraes lembrei do hábito dele de celebrar as suas amizades com parcerias musicais. Um bom hábito, diga-se de passagem. E pensando sobre este blog foi que eu compreendi o quão magnífico é celebrar a amizade, sacramentá-la através da arte. Acho que não se pode chegar a nível maior de cumplicidade. Este post é para Carol, minha companheira de blog, amiga e cúmplice na arte.


Celebração

Porque o post de ontem me fez lembrar destas linhas:


Meu chá não é acompanhado por torradas
Mas por cream cracker
Cream cracker que como de pé
Na cozinha, enquanto olho a lua

Nesses momentos, meu coração celebra, silenciosamente, o que não foi
Sem mágoa
Apenas recordações
De desejos deixados de lado
De desejos que deram espaço
A outros

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Sonhos

Terça da semana passada, assistindo a "O equilibrista", uma frase me chamou a atenção: "Preciso ser um naufrágo na ilha do meu próprio sonho".

Dias depois, na sexta, assistindo a "As pontes de Madison", uma outra fala também sobre sonhos me chamou a atenção. Dizia mais ou menos assim: Os sonhos que não se concretizaram ficaram pra trás, mas que bom que, por algum tempo, eu os tive comigo.

Que bom!, porque, com os sonhos, dá pra fazer um arco-íris.

sobre homens e mulheres

Vi certa vez uma entrevista de Alice Ruiz na qual ela comentou que Caetano Veloso havia mandado fazer uma pesquisa em suas letras de música sobre que palavra era mais recorrente e o resultado foi, não para minha surpresa: eu. Alice quando soube disso resolveu fazer o mesmo com os seus poemas e resultado foi: você.
Não sou muito afeita a divisões maniqueístas entre mulheres e homens, mas não pude deixar de achar esses resultados bem representativos do ponto de vista inicial de ver o mundo do homem e da mulher.... E quando falo isso não estou de modo algum dizendo que é bom sempre partir de si ou do outro. Acho que nas duas situações o excesso é péssimo.
Alice deve ter chegado a alguma conclusão parecida e em função disso fez um poema, posteriormente musicado em que ela decide tirar "você" do dicionário.


"Eu vou tirar do dicionário
A palavra você
Vou trocá-la em miúdos
Mudar meu vocabulário
E no seu lugar
Vou colocar outro absurdo
Eu vou tirar suas impressões digitais
Da minha pele
Tirar seu cheiro
Dos meus lençóis
O seu rosto do meu gosto
Eu vou tirar você de letra
Nem que tenha que inventar
Outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
Com quantos "nãos" se faz um sim
Eu vou tirar o sentimento
Do meu pensamento
Sua imagem e semelhança
Vou parar o movimento
A qualquer momento
Procurar outra lembrança
Eu vou tirar, vou limar de vez sua voz
Dos meus ouvidos
Eu vou tirar você e eu de nós
O dito pelo não tido
Eu vou tirar você de letra
Nem que tenha que inventar
Outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
Com quantos "nãos" se faz um sim"


domingo, 26 de julho de 2009

Domingo



Acho a imagem aí do lado a cara de um domingo, quando a gente pode, simplesmente, relaxar. Chama Lugar de sobra e é de um trabalho de Marcos Chaves.

sábado, 25 de julho de 2009

Tempo

"Alice suspirou cansada. "Acho que você poderia aproveitar melhor o seu tempo", disse, "em vez de desperdiçá-lo propondo charadas que não têm resposta."

"Se você conhecesse o Tempo como eu conheço", disse o Chapeleiro, "não falaria em desperdiçá-lo como se fosse uma coisa. É um senhor."

"Não entendo o que você quer dizer", disse Alice.

"Claro que não entende", disse o Chapeleiro, atirando a cabeça desdenhosamente para trás. "Acho que você nunca sequer falou com o Tempo!"

"Talvez não", respondeu Alice cautelosamente, "mas sei que tenho de bater o tempo, quando estudo música."

"Ah! Isso explica tudo", disse o Chapeleiro. "Ele não suporta ser batido. Agora, se você mantivesse boas relações com o Tempo, ele faria quase tudo o que você quisesse com o relógio. Por exemplo, vamos supor que fossem nove da manhã, bem na hora de começarem as aulas. Você só teria de sussurrar uma dica para o Tempo, e o ponteiro giraria num piscar de olhos! Uma e meia, hora do almoço!"

("Como gostaria que fosse", disse a Lebre de Março para si mesma num sussurro.)

"Seria maravilhoso, certamente", disse Alice pensativa, "só que ... eu não estaria com fome."

"A princípio, talvez não", disse o Chapeleiro, "mas você poderia manter o relógio marcando uma e meia por quanto tempo quisesse."

"É assim que você faz?", perguntou Alice?

O Chapeleiro sacudiu a cabeça tristemente. "Não!", respondeu. "Brigamos no mês de março passado ... pouco antes de ela ficar louca, sabe..." (apontando com a colherinha para a Lebre de Março) "... foi no grande concerto dado pela Rainha de Copas, e eu tinha de cantar

'Pisque, pisque, morceguinho!'
O que faz aí sozinho?'

Você talvez conheça a canção."

"Já escutei algo parecido", disse Alice.
"Continua", disse o Chapeleiro, "da seguinte maneira:

'Sobre o mundo voa ao léu,
Bandeja de chá no céu.
Pisque, pisque...' "

Nesse momento, o Arganaz se sacudiu e começou a cantar dormindo "Pisque, pisque, pisque, pisque...". E continuou a cantar por tanto tempo que tiveram que lhe dar um beliscão para fazê-lo parar."

(Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas)

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Labirintos

Pensando que uma cidade desconhecida pode ser um bom meio pra descoberta de si mesmo. Porque realmente é se perdendo que a gente se encontra. Nada como um labirinto novo portanto, um labirinto desconhecido.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Imitação (ou Cerca elétrica II)

A gente pode imitar os pássaros, se equilibrando, sobre a vida. Mesmo que imitemos, contudo, me parece que corremos menos perigo do que eles, que se equilibram sobre cercas elétricas.

Isso tudo me faz lembrar de "O equilibrista" (sim, o documentário) e me leva a pensar que, talvez, Philippe Petit, o equilibrista que inspirou o filme, tenha, no fundo, caminhado da Torre Sul à Torre Norte do World Trade Center sobre um cabo de aço apenas pra se sentir um passarinho. É, um passarinho.

espairecer manoelino

"Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao
pente funções de não pentear. Até que ele fique à
disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.

Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma."

***

"As coisas não querem mais ser vistas por pessoas
razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul -
Que nem uma criança que você olha de ave."

***

"Poesia é voar fora da asa"


Manoel de Barros (O livro das ignorãças)

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Cerca elétrica



Tarde é clara
Pombo para
Sobre fio-elétrico
Sobre fio-perigo
O pombo pelo fio da navalha


A imagem aí de cima é de uma pintura da mineira Patrícia Leite.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Mundo. E desmundo

Como as cores são as pessoas: cada uma com uma tonalidade, com um mundo dentro de si. Mas o mundo de cada um requer algum tato pra se revelar. Até esse achar, até que se descubra o aconchego, porém, o que se tem é o desmundo, desmundo que tem por função inquietar, pra assim forçar cada qual a trilhar a estrada que conduz até o próprio mundo.

Por muito tempo, eu achei que o meu mundo fosse "O mundo da lua", o mundo de Lucas Silva e Silva, mas, hoje, sei que não, sei que tenho o meu próprio mundo e tento me recordar sempre do caminho que a ele conduz. Sim, porque, por vezes, sei que vou me perder.

domingo, 19 de julho de 2009

Retorno

Gosto de partir. Sentir-me livre, desprendida.
Mas gosto do retorno. De chegar ao meu aconchego. Onde todos os caminhos já foram percorridos. Até as paredes me reconhecem e me acolhem. O calor conhecido da cama. O cheiro sereno da casa. Que adentra meu peito e renova o sangue. Sou acolhida pela cidade. Me sinto num ninho por entre os braços do Capibaribe. As ruelas e as suas gentes. O cheiro nem tão agradável da cidade. O vento forte perto do cais. As chuvas desses dias julhinos que fazem subir o cheiro forte de terra. O cheiro de terra forte.

É bom pôr os pés em solo conhecido.

E já não há casa ou cidade. Não existem esses elementos distintamente. Há apenas uma casa-cidade

E a terra e as águas desta cidade me constituem.

E por isso só sou por inteiro aqui.

Realidade

"a alma é o segredo, o segredo do negócio"
(Zeca Baleiro, Brigitte Bardot)

Talvez seja isso a realidade: a alma, o que persiste dentro da gente, as coisas que a gente treina os olhos pra eles verem e a gente internalizar.

sábado, 18 de julho de 2009

Pasárgada

Dei pra pensar que Cancun é uma ótima opção em lugar de Pasárgada. Dei pra pensar que Cancun é Pasárgada com alma solar (não melancólica nem triste).


"Eu vou me mandar
Peguei meu jaleco
Nesse teu xaveco eu não caio mais
Eu vou me mandar, eu vou pra Cancun
Teu 171 não me pega mais"
(Zeca Baleiro, Débora)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Ser

Ser o meu próprio
Estabilizador de humor
O meu sonífero
Meu antidepressivo
Ser tudo isso
Mas apenas ser
Sem ser demais
Sem ocupar espaço demais
Ser
Mas sem ser
Autossuficiente
Sem roubar espaço
A outras gentes

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Imperativos

Tenho um problema grande com imperativos. Sempre que alguém se dirige a mim usando-os, me sinto incomodada e, não raro (pra não dizer 'via de regra'), passo a olhar a pessoa com certa ressalva. Só uma "ordem" não me incomoda, quando alguém me diz: "Seja feliz". Pelo contrário. Nessas ocasiões, é como se me sentisse plena. Meus olhos brilham, eu fico mais firme diante da vida. Na verdade, acho que me sinto grata a quem me "ordena" isso, como se quem diz estivesse me lembrando de que a minha natureza anseia pela felicidade.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Luz



Porque sempre há alguma luz, algum verde, ainda que, por vezes, seja difícil de perceber. Alguma luz, mesmo que fora da nossa janela, mas luz ou verde que, de algum modo, adentra nossa janela. Porque a luz e o verde sempre se expandem.

Pra um amigo que anda precisando de luz.

Sim, a pintura aí de cima é da mineira Patrícia Leite.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Reinvenção

De repente, penso que ter paixão por livros é ter paixão por recomeços. Sim, porque, em cada livro, se encontra uma nova vida, uma nova estrada, logo um recomeço. Na impossibidade de muitos recomeços, porém, que a cada dia a gente descubra um jeito de se reinventar.

A Luaní, que, hoje, completa anos e inicia, assim, um novo ciclo.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Pra começar a semana

"O recepcionista, subterfugitivo, vagueia: não existe o ter vivido. Viver é um verbo sem passado."

Que vivamos!

(Mia Couto; Venenos de Deus, remédios do diabo)

sábado, 11 de julho de 2009

Porque

Porque, por vezes, é preciso desembaçar a forma de ver o mundo. Desembaçar reinventando a forma de ver o mundo. Desembaçar pondo o mundo em uma outra fôrma.


A foto aí do lado é da autoria de Anna Malagrida e faz parte da série Point de Vue.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Cinza, vermelho e poesia

O mundo jurídico me assusta.
As suas leis, regras, etiquetas, teorias.
Os seus ternos, gravatas, saltos altos e maquiagens.
As suas máscaras ou armaduras ou armadilhas.
No direito é sempre inverno.
E os tons são de cinza.
De fato, não há poesia nas leis.

Talvez eu tenha escolhido o curso errado.
Talvez, tudo seja culpa do vermelho...


"Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare


— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação."
(Manuel Bandeira)

Frases de Mia Couto

Duas frases que li em Venenos de Deus, remédios do Diabo, de Mia Couto, e que me fizeram parar a leitura por alguns momentos:

"- Uma coisa aprendi na vida. Quem tem medo da infelicidade nunca chega a ser feliz."

"Todavia, o mar é o habilidoso desenhador de ausências" e isso, fiquei pensando, quando a gente deixa que certas memórias caiam na nossa zona abissal.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Iluminação

Encontrar, dentro de si, o amanhecer

terça-feira, 7 de julho de 2009

"um bom samba é uma forma de oração"

tenho ouvido pequenas orações diárias...

Passar

Passa um pássaro
E me chama
Quando vejo, já passou
Passou mas
Talvez sem saber
E talvez sem querer
Ou talvez sabendo
E talvez querendo
Me fez ver
É preciso aprender
A passar
Passar
E seguir viagem
Levando somente o canto
O canto que ensina
A passar
O canto que é canto
Pra anunciar
A chegada
E a despedida
Canto de todos
O mais perfeito
Canto que ensina
O desapego
Porque quem chega chega e começa
A partir

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Vida

O post de ontem me fez lembrar dessa música:

"Vida
Composição: Indisponível

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Deixei a fatia
Mais doce da vida
Na mesa dos homens
De vida vazia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Verti minha vida
Nos cantos, na pia
Na casa dos homens
De vida vadia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz

Luz, quero luz,
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
Com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, veia
E pulsa, pulsa, pulsa,
Pulsa, pulsa mais
Mais, quero mais
Nem que todos os barcos
Recolham ao cais
Que os faróis da costeira
Me lancem sinais
Arranca, vida
Estufa, vela
Me leva, leva longe
Longe, leva mais

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Toquei na ferida
Nos nervos, nos fios
Nos olhos dos homens
De olhos sombrios
Mas, vida, ali
Eu sei que fui feliz"

domingo, 5 de julho de 2009

Partidas

Uma amiga muito querida viaja hoje. Vai pra São Paulo, fazer um curso por lá. Depois do curso, vai ver o que acontece. Talvez volte, talvez fique por aquelas paragens. Apesar da viagem, porém, não a vi nos últimos dias, de forma que não deu pra gente se despedir. É, não deu, mas, confesso: isso não me incomoda. E não incomoda simplesmente porque isso não importa, já que, no fundo, seria algo meio sem sentido. Sim, meio sem sentido, uma vez que, embora ela vá, ela permanece, de alguma forma, aqui comigo, do mesmo jeito que eu, de alguma maneira, vou com ela. Sim, vou, de um jeito que já fui outras vezes e, sei, vou continuar a ir enquanto houver pessoas queridas partindo.

Antes tinha medo das partidas, mas elas foram se tornando frequentes e fui conhecendo-as melhor. Fui conhecendo-as mais e mais, até, finalmente, ter confiança pra brincar com elas, sim, brincar, como fazem as crianças, com total entrega. E foi assim que as partidas se tornaram minhas amigas, amigas que me ajudam a fazer cafuné nos sonhos e a criar sonhos novos, necessários pra que eu continue a me sentir viva e pra renovar o brilho dos olhos.

Ontem, pensando na viagem de que falava logo no começo deste post, lembrei de um verso de (Manuel) Bandeira que a minha amiga que viaja hoje, uma vez, me mandou. Diz assim: "Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir". Na ocasião, ela me escreveu (compartilho porque sei que ela não se importará): "essas lições de partir são sonhos, meus sonhos. Pra mim, a partida da morte, não necessariamente, é a embalagem de madeira. Toda viagem, no fundo, é uma morte: uma morte que leva para uma vida. Uma vida que depois, mais cedo ou mais tarde, será morrida: será matada. Vamos partir. Par-tir." Sim, partir. Vamos partir.

sábado, 4 de julho de 2009

Dia cinzento

Descansa o sol. Não se esconde. Não. É que é daquelas coisas que não se escondem. É daquelas coisas sempre visíveis. Visíveis ainda que em silêncio. Visíveis ainda que sem fazer barulho. Visíveis pelo que são. E só.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

colecionador de nuvens




"- Acha que vai chover, Doutor?
Sidónio olha pra cima, incompetente para tanto céu. Aquelas nuvens não são as suas, e mesmo que fossem as de Lisboa, ele não saberia ler nelas nenhuma previsão metereológica. Não, ele nunca fora aquilo que na Vila se chama "um colecionador de nuvens"."
(Mia Couto)

Nada

Durmo sobre meu próprio sonho. Durmo e encontro mais do que o vazio. Encontro o nada absoluto. Nada, que não é bom nem ruim, apenas nada. Nada, que se rege por uma outra dinâmica. Nada, que não é sonho, mas tampouco pesadelo.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

luz e silêncio

gosto do silêncio das igrejas
e da luz que adentra devagar
naqueles arredores do divino

silêncio e luz
penso que Deus seja assim

ando cultivando o silêncio
as angústias silenciaram
acalmo o coração

aqueço-o
num iluminado afago
com as exatas cores do vitral

a luz suave
e um calor-útero

aconchego

acho que é isso que chamam de paz.

eu chamo.