quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Conselho

Abrir a panela
Pra que não exploda
Abrir a panela
Pra lembrar de abrir a porta
E jogar o lixo fora

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Ajuda

Eu trisco em uma porta da tua rua
Eu trisco pensando ser a porta tua
Eu trisco em uma porta da tua rua
Trisco e corro
Por medo do detrás da porta tua

Eu trisco em uma porta da tua rua
Trisco e me viro
Pra assim apagar o triscar na porta tua
Eu trisco em uma porta da tua rua
E tu, me acudindo, ergues minha mão pra que eu trisque na lua

sábado, 26 de dezembro de 2009

Transbordamento

Os poemas não têm tempo. Por isso, transbordam, porque os transbordamentos carregam a eternidade, porque os transbordamentos querem fazer nascer a eternidade.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Hora

Acabo de ler Clarice (Lispector) dizendo: "Diga-me por favor que horas são para eu saber que estou vivendo nesta hora." Acabo de ler e penso: diga-me por favor que horas são, pra eu saber se estou vivendo nesta hora. ... se estou vivendo nesta hora.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Pedido

Me dá palavras
Pra eu te escrever um poema

domingo, 20 de dezembro de 2009

Breve

Que seja breve
Pra ser leve




A imagem aí de cima é de um trabalho do português Julião Sarmento e chama Breves.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

tempos de ares mais puros.
de dias claros.
é o natal.
que deixa seu cheiro doce no ar.

Luz

Parece que, em dezembro, a maioria das pessoas se sente mais iluminada, se sente com mais fé na vida, né? Sendo assim, não entendo muito bem o sentido de tantas luzes. Na verdade, penso que elas deveriam ser usadas no restante do ano. Pra iluminar o restante do ano.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Natureza

O eterno é beco

O fugaz, bifurcação

sábado, 12 de dezembro de 2009

Conselho

Aprender a ser maleável

(Não é o espírito natalino não, mas eu, finalmente, começo a tentar)

Aprender a ser maleável. Como diria Luaní, plantando bananeiras.

Aprender a ser maleável. Porque dormindo, só com isso, todos sabemos, a dor não passa.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Revoada

"Hora de ir embora
Quando o corpo quer ficar
Toda alma de artista quer partir
Arte de deixar algum lugar
Quando não se tem pra onde ir"
Chico Buarque

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Engano

Borboletas
Na verdade, abelhas
... me picaram

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Solução II

Acho que foi a imagem aí de baixo que me inspirou o meu último post. É de um trabalho de Luiz Hermano, que chama "Migratório".

domingo, 6 de dezembro de 2009

inversão

plantar bananeira
para as mãos criarem raízes
e os pés se tornarem sutis
o suficiente para tocar o céu
sem machucar as nuvens

sábado, 5 de dezembro de 2009

Solução

Migrar
(Na impossibilidade de renascer)

Migrar
Pra que a memória sofra
Degelo

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Mudez

Um piano solitário num canto de sala a cada dia emudece um pouco. Começa desafinando algumas notas. Depois vai desaprendendo a fazer o som. Hamornia. Ritmo. Tudo se perde na solidão. Porque a solidão é a antogonista da música. A música é vida.
Um piano solitário num canto de sala. Mudo. É guardar um pouco de morte em casa. É guardar muito de tristeza.

Crença

"(...) No entendí nunca la lucha sino para que ésta termine. No entendí nunca el rigor, sino para que el rigor no exista. He tomado un camino porque creo que ese camino nos lleva a todos a esa amabilidad duradera. Lucho por esa bondad ubicua, extensa, inexhaustible. De tantos encuentros entre mi poesía y la policía, de todos estos episodios y de otros que no contaré por repetidos, y de otros que a mí no me pasaron, sino a muchos que ya no podrán contarlo, me queda sin embargo una fe absoluta en el destino humano, una convicción cada vez más consciente de que nos acercamos a una gran ternura. (...)"

(Pablo Neruda, Confieso que he vivido)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

aprendizagem

Há coisas que só um dia após o outro, com uma noite no meio nos ensina.
Aprender a sonhar é uma delas. Porque o sonho é sempre a forma mais bela da sobrevivência.

"Aliás, foi em sonhos que eu aprendi a nadar,
e graças a isso consegui sobreviver às catástrofes naturais"
Mario Benedetti.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Ciclo

"(...)

Em qualquer parte da Terra
um homem estará sempre plantando,
recriando a Vida.
Recomeçando o Mundo.

(...)"

(Cora Coralina, Poema do Milho)

domingo, 29 de novembro de 2009

Oxidação



Gosto dessa imagem de um trabalho de Marcelo Silveira. Embora ele use madeira, esse trabalho me lembra que a gente precisa deixar que alguns sentimentos se oxidem. Se oxidem pra que a gente siga vivendo. Com o mínimo de danos.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ajuda

Silencia. Pra ver se a dor esquece de estalar. Como tal permanece. E a dor passa a ser latente. Ainda em silêncio. E a dor paralisada, coberta de pus. Descobre então que, embora não seja preciso gritar, também não pode continuar em silêncio. Procura, enfim, um analista: na crença que quer ter, profissional que limpa o pus e vai tratando a ferida.

****

Escrevo e lembro de Zeca Baleiro cantando "a depender de mim, os analistas estão mortos. Sou eu quem trata [não lembro] com aspirina, [não lembro] e com cachaça..."

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

cartas

recusava-se a render-se às novidades tecnológicas. só sabia escrever costurando com a tinta no papel o sentimento. era como se a tinta lhe prendesse um pouco da vida.

Paisagem

Um poema sobre você
Tentei escrever
Tentei mas o que escrevi foram uns versos
Sobre a chuva
A chuva que sempre vem
Limpar a paisagem

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Vulnerabilidade

Você encerrou a tarde
Eu disse
Mas engano meu
A tarde só se encerra pela mesma razão
O crepúsculo

A tarde não é suscetível
Digo e engano-me de novo
A tarde é sim suscetível
Como a gente
Ou talvez nós
Sejamos suscetíveis como a tarde
Como a tarde suscetíveis
À chuva

sábado, 21 de novembro de 2009

Evidência

Rachado é o solo, quando tem dor.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Necessidade

As janelas precisam estar abertas, para que a atmosfera mude. E continuar abertas, para que não se instale o mofo, para que a atmosfera não se torne de plástico.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

anônima

andava perdida pela cidade desconhecida. não reconhecia aquelas ruas ou muros cinzas. nada daquilo lhe pertencia. não havia rostos conhecidos ou amigáveis. estava perdida. sentia-se anônima por inteiro. percebia que a cada passo que dava seu nome apagava-se um pouco mais. e as memórias se esvaíam. era como se estar naquela cidade a qual não pertencia lhe tirasse a própria identidade.
finalmente encontrara o seu abrigo, o seu refúgio. ela mesma. e o anonimato que só o desconhecido podia lhe dar.

Concha

Deita sobre o próprio corpo
Como concha
Porque não tem quem lhe suspenda
No ar





A imagem aí de cima é da pintura "O passeio", de Chagall.

sábado, 14 de novembro de 2009

Risco

Ela espera você na estação de trem, mas, em lugar disso, preferia estar partindo. É que ela sabe dela como não pode saber de você, externo a ela. Ela preferia estar partindo porque, então, não correria o risco das surpresas, não correria o risco de você ter se tornado um estranho.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

só em outro lugar diferente do seu habitat, ela abria as asas e revelava a sua verdadeira forma: livre.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Adeus

O adeus é feito de silêncio. Nele já não cabem promessas.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Casa

Todo lugar é casa quando se pode enxergar a lua.

a derrota da esperança

No fim, a esperança restou derrotada
A vida derrotada
E o que me sobra?
Um aperto no peito,
um cansaço infindo
e a saudade do que não foi

sábado, 7 de novembro de 2009

Da série "Tão legal que dá vontade de dividir"



Essa é daquelas imagens que vejo e logo penso em postar aqui. Me deparei com ela no postsecret (www.postsecret.com). Não sei se gosto mais da pintura ou do texto, mas sei que elas dizem tudo o que é preciso. Dizem e silenciam a gente.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Ritual

Numa garrafa de vodca põe as folhas das histórias que precisa esquecer. Põe e deixa que elas se dissolvam no álcool, que se decomponham no álcool.

Após tudo terminado, respira aliviada. Aliviada por saber que, diferentemente de si, o álcool não tem memória, razão por que o que nele se dissolve, na verdade, nunca existiu.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Beco

Alerta de que é preciso voltar e refazer o caminho.

domingo, 1 de novembro de 2009

melindres do tempo


"Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo..."
(Caetano Veloso)

Errante

Por medo das âncoras, ela vagava sem rumo.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Sono

O sono guia a gente pelo tempo. Então não é preciso esforço.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Orvalho

É a natureza chorando.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

A palavra molhada
distorcida
borrada
a palavra-lágrima

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Tentativa

O bolo de rolo tem linhas, linhas que têm um quê de destino, como as das mãos. Por isso o como: pra quem sabe mudar o que tá escrito pra mim, pra quem sabe fazer mais doce o que tá escrito pra mim.

sábado, 24 de outubro de 2009

Céu

Pisei no chão. Ele era azul. Tratei, então, de ali construir minha casa. É que aquele pedaço de chão era o meu céu. O céu da minha existência.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A revolução através do amor

"Onde ele estaria agora com seu gorro? Sua música? Ora, a duração, mas que importava a duração. Foi amor. Passou velozmente como no meu sonho de véspera, quando ele me apareceu com seu guarda-chuva aberto, aquele mesmo, nem cheguei a ver suas feições, só pude advinhar-lhe o vulto. Acenou-me. E sumiu deixando para trás o guarda-chuva e o barulho da motocicleta que logo se confundiu - poeira e som - com o motor de um caminhão de estrada. Mas foi amor. Apurou-se minha autocrítica, nunca pude me ver com tamanha lucidez como me vi. Com uma dureza que muitas vezes fez Rodrigo me repreender, "Não exagere, Aninha, a gente é sempre melhor do que pensa". Mas até nos momentos mais agudos dessa autoflagelação eu tive o que não tivera antes, esperança. Esperança em mim. Esperança nos outros, esperança em Deus, que eu nem sabia se existia ou não, mas que jamais me abandonaria.
"O amoe me levantou no ar e me sacudiu e me revolveu inteira. Fiquei fulgurante em meio dessa mudança que me revolucionou. A revolução através do amor."
Lygia Fagundes Telles

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Barreira

Os óculos se cansam no meu lugar (em substituição a mim).

domingo, 18 de outubro de 2009

Baús

Na infância, sonhava em explorar o mar, à procura de tesouros naufragados. Não pelos tesouros em si, mas porque pensava que, tirando-os de lá, poderia deixar, no lugar, os baús da sua memória, baús que queria ver carregados pra zona abissal. E, como tudo nela era superfície, a zona abissal tinha de ser externa, tinha de ser alheia.

Não demorou pra ela perceber que a ideia que tinha nunca funcionaria efetivamente. Foi então que passou a fazer dos homens sua zona abissal, passou a confiar a cada um o que não queria nem devia carregar. Mas os homens foram naufragando. E ela nunca soube o porquê. Apenas, por respeito aos tesouros naufragados, evitava se banhar nas águas do mar.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

espanhol

é um língua carregada de sentimento. não há palavras neutras. todos os sons são tingidos de vermelho. todos os gestos de fervor. é uma língua que exige sinceridade. é uma língua que nos impede de fingir.

Escrever

"- Escrever não é falar.
- Não? Qual é a diferença?
- É exactamente o oposto. Escrever é usar as palavras que se guardaram: se tu falares de mais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer."

(Miguel Sousa Tavares, No teu deserto)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

isso de fazer malas é uma estranha maneira de carregar conosco a nossa vida.
e como a vida nos pesa...

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Revelação

"'Se toda religião é uma história de revelação, a revelação de uma verdade, então, minha syngué sabour, nossa história também é uma religião. A nossa religião, só nossa!' Ela começa a andar. 'Sim, o corpo é nossa revelação.' Detém-se. 'Nossos corpos, seus segredos, suas feridas, seus sofrimentos, seus prazeres...'"

(Atiq Rahimi, Syngué sabour, Pedra-de-paciência)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Infância

Bolas de sabão povoam a minha noite

domingo, 11 de outubro de 2009

Solidão



Ontem vi essa foto aí de cima (chama 'Solidão' e é de um trabalho de Iberê Camargo) e, algum tempo depois, rabisquei no celular: "solidão é não precisar". Rabisquei mas fiquei com a sensação de que já tinha visto essa frase antes. Agora, checando no google, descobri (na verdade, lembrei, né?) que é de Clarice (Lispector). Seja como for, porém, essa frase nunca tinha feito tanto sentido pra mim. Sim, "solidão é não precisar".

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Da série "Tão legal que dá vontade de dividir"



Gosto muito desse trabalho de Marcelo Solá. Me parece despretensioso e com cara de desenho infantil (sim, a criança que existe dentro da gente também pode desenhar e, não, isso não se chama retardo mental :P).

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Bichos

Semana passada, não sei por que, me senti meio caramujo. Isso me fez lembrar de um texto escrito há uns anos, justamente sobre bichos. Chama 'bichos' e diz assim:


Sempre me pareceu engraçada a mania de volta e meia perguntar que bicho o outro gostaria de ser. Talvez por eu nunca ter de fato desejado ser bicho. Mas exatamente porque eu não tinha resposta, exatamente por isso, punha-me a pensar. Sentia-me desconfortável por não saber, uma vez que a impressão que as pessoas me passavam era que isso era algo evidente, uma espécie de determinação a priori (“Bem, eu sou uma pessoa, mas, se assim não fosse, certamente seria um colibri.”).

Na busca por satisfazer a curiosidade alheia, eu empenhava-me em refletir. O primeiro bicho que me recordo haver julgado que gostaria de ser foi um cavalo. Naquela época, era criança. Acho que, imersa em minha ingenuidade infantil, me encantava com o porte e com a aparente liberdade dos cavalos. Hoje, entretanto, vejo que a liberdade dos cavalos é igual à que, nesta altura da vida, tenho. E sei que não posso ser completamente livre porque minha liberdade não depende apenas de mim, assim como o cavalo, que não poderá correr selvagemente se o seu dono não o deixar solto. Mas quem sabe é por isso, por não poder contar com a liberdade todo o tempo, que, quando com ela se depara, o cavalo corre tão belamente.

Depois de desistir do cavalo, escolhi o beija-flor. Queria apossar-me da meiguice e da serenidade que me transmitia aquela ave. Queria a placidez que penso não querer mais. Queria pousar em todos os lugares e não ser de lugar algum para não ter passado e, assim, poder ter uma mente sem lembranças. (Um beija-flor pousa em minha janela/ E, imóvel, contempla minha tristeza/ Ah!, quisera eu ser beija-flor/ Para pelo mundo voar/ Para minhas asas estender sobre o mar/ E o horizonte alcançar/ Quisera eu partir e a tudo deixar/ Em busca de um novo habitat/ Mas o beija-flor, o beija-flor, à procura de outras paisagens segue/ Só eu continuo a chorar).

Hoje acho que escolheria ser uma galinha. Principalmente por causa de Clarice (Lispector). Na verdade, imagino que ela escolheria ser uma galinha, mas não sei se ela me pensaria capaz do mesmo. Quero acreditar que sim.

Escolher ser uma galinha é optar pelo bicho talvez mais humano dentre os bichos. É declarar amor à condição humana, um amor clariceano, fundamental para que se possa ser homem verdadeiramente. A galinha, tal qual o homem, não voa, embora alguns tentem, e aí está sua trágica beleza.

Porco não gostaria de ser. Não pelo porco em si, mas porque ouvi falar que os porcos não conseguem olhar para cima. Não são capazes de ver as nuvens e isso me soa bastante triste. É verdade que as galinhas não podem alcançar as nuvens. Apenas olhá-las, todavia, e ficar a tentar adivinhar com que seu formato se parece é, por vezes, suficiente, já que é meditação que traz de volta a serenidade quando dela mais se precisa.

Também não gostaria de ser leão. Não quero ser rei, nem herói. Não tenho necessidade de ver meu nome escrito nos livros de história. É um preço por demais caro - abdicar da vida para ser herói. Não preciso disso. Não quero isso. “Quero é ser apenas uma semente.” Quero é ser pulsante. Só assim poderei tocar o âmago da minha humanidade.

Não mais cavalo. Não mais beija-flor. Em tempo algum, leão. Em tempo algum, porco. Peixe talvez, ou melhor, não, na sua quietude, ele está bastante distante dos homens. Enfim, galinha, com quem os homens aprenderam a ciscar, remexendo o solo do coração, à procura de alimento.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Unidade

Tenho pensado bastante que, quando a gente se torna melhor, o universo também se torna melhor. Sim, porque, afinal de contas, a gente é parte do universo, né?

A Mercedes Sosa, que soube fazer o universo melhor. Que ela nos inspire.

domingo, 4 de outubro de 2009

essência

"eu preciso aprender a ser só
eu preciso aprender a só ser"
Gilberto Gil

sábado, 3 de outubro de 2009

roupas velhas

usava as roupas gastas não por falta de novas e de cores vivas
mas por afeição ao tempo que passou

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Dança

Haviam lhe aconselhado dançar pra equilibrar o yin e o yang (na verdade, pra fazê-la por pra fora a energia guardada). Primeiro ela achou que talvez pudesse ser uma boa alternativa. Depois se deu conta de que isso não resolveria. É que, então, passou a ter vontade de dançar ao som do silêncio.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Pintura

Pintar o corpo
Como os índios
Na impossibilidade de pintar
A vida

Pintar o corpo
Para que do corpo a tinta escorra
E pinte a vida

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Para celebrar a vida

MADRIGAL MELANCÓLICA

Manuel Bandeira

O que eu adoro em ti
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza

O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas

O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz

O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza
O que adoro em ti lastima-me e consola-me
O que eu adoro em ti é a vida.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Tempo

Não existe o dentro
Do pó
Só existe o fora
O externo
Ao pó

Por isso
O pó não tem
Tempo
O pó não sabe
O que é
Tempo

É, o pó é atemporal
Ele condensa a magia
Do ser
Simplesmente
Sem futuro
Ou passado
O pó apenas é
E só

domingo, 27 de setembro de 2009

sábado, 26 de setembro de 2009

Da série "Tão legal que dá vontade de dividir"



A imagem aí do lado é de uma pintura de John Baldessari que se chama God Nose. Mal a vi, pensei, como sempre acontece nessa série, que precisava postá-la aqui.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Porque a primavera chegou



A imagem aí de cima é pra celebrar a primavera, que começou ontem.

Que ela esteja também dentro da gente. Por tempo suficiente pra que a gente possa compreender melhor a vida, compreender melhor de forma a passar pelo próximo inverno melhor do que passamos pelo inverno passado. Pra sem muito sofrer, sobreviver ao próximo inverno.

(A foto é de um trabalho de Jaime Tarazona)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Una terrorista amorosa

"La policía colonial consideró que su presencia incontrolada era un foco de desorden en la tranquila calle. Me dijeron que la expulsarían del país si yo no la recogía. Yo sufrí varios días, oscilando entre la ternura que me inspiraba su desdichado amor y el terror que le tenía. No podía dejarla poner un pie en mi casa. Era una terrorista amorosa, capaz de todo.

Por fin un día se decidió a partir. Me rogó que la acompañara hasta el barco. Cuando éste estaba por salir y yo debia abandonarlo, se desprendió de sus acompañantes y, besándome en un arrebato de dolor y amor, me llenó la cara de lágrimas. Como en un rito me besaba los brazos, el traje y, de pronto, bajó hasta mis zapatos, sin que yo pudiera evitarlo. Cuándo se alzó de nuevo, su rostro estaba enharinado con la tiza de mis zapatos blancos. No podía pedirle que desistiera del viaje, que abandonara conmigo el barco que se la llevaba para siempre. La razón me lo impedía, pero mi corazón adquiríó allí una cicatriz que no se ha borrado. Aquel dolor turbulento, aquellas lágrimas terribles rodando sobre el rostro enharinado, continúan en mi memoria."

(Pablo Neruda, Confieso que he vivido)

domingo, 20 de setembro de 2009

Pertencer II

Tava com um post em mente quando, ontem pela manhã, abri minha caixa de entrada de e-mails e dei de cara com um e-mail de uma amiga, um e-mail lindo, que, de brinde, me trouxe uma carta escrita por Caio Fernando Abreu pra uma amiga e que consta em um livro que a minha amiga tá lendo: Caio Fernando Abreu: Cartas.

A certa altura da leitura da carta (na verdade, quando Caio Fernando escreve: "Você pergunta: 'todos os vernizes descascam?' Eu acho que para quem tiver a coragem de deixar descascar, sim."), lembrei do meu último post, o que me fez ter vontade de compartilhar parte da tal carta com vocês, compartilhar como minha amiga compartilhou comigo.

Ele diz:


"Você pergunta: 'todos os vernizes descascam?' Eu acho que para quem tiver a coragem de deixar descascar, sim. E isso é bom. Além da nossa condição de insetos (menos, protozoários) na superfície de uma bolinha azul imensa perdida e ferida no infinito originário de um suspeito - e incompreensível - big bang, além do nosso medo IMENSO dessa condição de pena também IMENSA que brota pelo humano, vai restar sempre O MISTÉRIO. Que eu posso chamar de Deus, de runas, de Buda, Tarot, Oxalá, qualquer coisa assim meio trans.

E a gente crê - como eu creio, e essa crença não é intelectual, ao contrário, é totalmente irracional, instintiva, muito mais funda que o pensamento discursivo - nesse MISTÉRIO, suponho que a gente esteja "salvo". Salvo do medo, do terror, da loucura, do suicídio, do homicídio, do alcoolismo desesperado (que já provei também).

Anotar na agenda mental: reler Fernando Pessoa, principalmente Alberto Caeiro (em anexo, poema de Ricardo Reis); re-ouvir Terra de Caetano; reler aqueles poemas zen póstumos de Cecília Meireles. Ou não reler nem ouvir nada. Pegar as pedras fortemente e apertá-las contra o peito, comprimir a cabeça e o corpo inteiro contra as árvores, pisar descalço na terra, colocar balas e doces (sempre em número ímpar) ao pé das árvores grandes para os duendes e devas e erês comerem e ficarem teus amigos, deixar na cabeceira da cama toda noite copos de água com açúcar para as fadas virem beber de madrugada. Acender velas para chamar Luz, jogar rosas amarelas nas águas dos rios para Oxum. Coisas assim: ritualizar, para dialogar com O Mistério. Para que ele te/nos proteja. Coisas claras, panos brancos, incensos e flores. Purificar, purificar o que na essência da nossa condição humana é pura e medonha treva de desconhecimento de todos os porquês."


A Marina, que fez minha manhã mais bonita. :)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

sutileza

pequenas alfinetadas diárias
ferem mais fundo que uma peixeira

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

o espírito do despertar
é a mansidão
só mesmo um trovão
pra acordar gritando

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Pertencer

Nada de se pertencer
Pra poder mudar
Quem se pertence são os documentos
Históricos

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Canção

Semana passada, tava ouvindo rádio quando me deparei com uma música de Isabella Taviani (a única dela de que gosto), uma música que, há uns dois anos, acho, tocava diariamente na Nova Brasil FM por volta das 7h30 da manhã (é, a Nova Brasil tem dessas coisas), o que me fazia não esquecer de ligar o rádio antes de ir pra faculdade. Como acontecia naquela época, deixei, por uns minutos, de lado a rotina e esperei a música terminar, cantarolando o meu verso preferido ("ser feliz é uma estrada sem fim").

À letra, então, né?:


"Canção para um grande amor
Composição: Isabella Taviani

Mas agora vai
Deixa o vento te seduzir
Deixa o novo sonho te invadir
E não volte nunca mais aqui pra me esperar

Agora vai
Lança teu destino em outro mar
Não recues nunca pra ancorar
Nunca pra duvidar

Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos

Mas agora vai
Porque há vida em outra dimensão
Porque há paz no outro coração
Por que com a gente não!
Por que com a gente não?

Agora vai
Buscar os novos horizontes
Pousar no colo de outros ombros
Saciar a sede do teu corpo louco

Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos

Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos

Vai pra sempre vai
Ser feliz é uma estrada sem fim
Tens a força que eu nunca atingi
Tens a dor mas ainda sei que tens a mim

Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos

Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos

Deixa o sol queimar a tua pele
O céu forrar a tua cama
Tua chama, teus desejos

Deixa o sol queimar a tua pele ..."

sábado, 12 de setembro de 2009

Brevidade

A brevidade é uma estrela cadente.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

direito fundamental

a janelas sem grades
- para execermos a liberdade -
a uma árvore frutífera na porta de casa
- para lembrar a força da terra -
a ter um céu com estrelas ou lua
- para alargar os horizontes -
a dar boas risadas, a tomar banho de chuva,
a chorar sem motivo, a ter bons amigos,
a ter tempo livro, a ler um livro de poesias...


são esses os meus desejos pra Carol hoje e sempre.

"Who I have become"



Lembrei desse cartão que vi, uma vez, no postsecret (www.postscret.com) e fiquei com vontade de postar aqui. Fiquei com vontade porque o acho fofo e poético (por causa da flor, que, pra mim, é uma metáfora das coisas boas que surgem).

Que sejamos sempre capazes de nos transformarmos, mas de nos transformarmos de um modo que, a cada dia, gostemos mais de nós mesmos. Esta é a minha oração pra o dia de hoje. :)

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Viva

Ela estufa o peito
Antes de chorar
Pra mostrar que não se rende

Não, o choro dela não quer ser um armistício
O choro dela só quer fazer com que se sinta viva
Com que se sinta, por um momento, viva
E não uma pedra

domingo, 6 de setembro de 2009

Relatividade II

Lia a autobiografia de Neruda ("Confesso que vivi") quando algo me fez lembrar das coisas sobre que falava no meu penúltimo post.

Dizia Neruda:


"Esperé largo tiempo, solo, con el corazón acongojado por la oscuridad intensa de la noche extranjera. Iba a morir sin que nadie lo supiera! Tan lejos de mi pequeño país amado! Tan separado de todos mis amores y de mis libros!

De pronto apareció una luz e otra luz. El camino se llenó de luces. Sonó un tambor; estallaron las notas estridentes de la música camboyana. Flautas, tamboriles y antorchas llenaron de claridades y sonidos el camino. Subió un hombre que me dijo en inglés:

- El autobús ha sufrido un desperfecto. Como será larga la espera, tal vez hasta el amanecer, y no hay aquí dónde dormir, los pasajeros han ido a buscar una troupe de músicos y bailarines para que usted se entretenga.

Durante horas, bajo aquellos árboles que ya no me amenazaban, presencié las maravillosas danzas rituales de una noble y antigua cultura y escuché hasta que salió el sol la deliciosa música que invadia el camino.

El poeta no puede temer el pueblo. Me pareció que la vida me hacía una advertencia y me enseñaba para siempre una lección: la lección del honor escondido, de la fraternidad que no conocemos, de la beleza que florece en la oscuridad."

sábado, 5 de setembro de 2009

tarde no parque

os pés pousam a grama levemente molhada
carícia
os olhos pousam no céu
azul
os ares carregam o cheiro sutil
liberdade!

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Resistência

Impossibilitado de falar, ele encapsulou a voz na palavra escrita.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

setembro

todos os anos as calçadas tingidas de rosa
me lembram que setembro chegou
e com ele trouxe os dias de felicidade ensolarada

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Relatividade

Estou na estrada e é noite. Me sinto plena na escuridão total no meio do nada, me sinto plena e percebo o quanto tudo é relativo. Sim, porque, em tese, a escuridão é daquelas situações desesperadoras. No entanto, é algo que, ao menos quando estou na estrada, amo, algo que me aquieta.



(Escrevo o texto aí de cima e lembro de um livro de Mia Couto que li certa vez e que falava sobre a possibilidade de, se não estou enganada, encontrar a luz que brota na escuridão.

A Luaní, que, outro dia, me emprestou um livro de Mia Couto)

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Meio da tarde

Segunda, meio da tarde: os desejos acordam. Sim, os desejos que o domingo havia posto pra dormir acordam e me cutucam, me cutucam para a vida.

domingo, 30 de agosto de 2009

Garças

Vejo a imagem aí de baixo e me lembro das garças que vi, há umas semanas, pela manhã, no rio que fica em frente à livraria Cultura daqui de Recife, lembro das garças que fiquei olhando enquanto esperava a livraria abrir, do balé delas e da beleza.

Não, não era domingo, mas, por algum motivo que, agora, me foge, penso que garças têm cara de domingo, penso e posto a foto aí de baixo aqui, foto essa da capa de um livro de Alice Melvin chamado Counting Birds.



(Talvez ache que garças têm cara de domingo porque penso que os domingos são feitos para deslizarmos sobre eles, não para corrermos)

sábado, 29 de agosto de 2009

"recomençando das cinzas
vou recompondo a paisagem
lembro um flamboyant vermelho
no desmantelo da tarde"
(Alceu Valença)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Renascimento

Nove meses passados e a dor, nascida hoje, se extinguirá. E eu renascerei.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Pressa

Vejo, na estrada, um homem em uma moto, um homem em uma moto e puxando um cachorro (preso à moto por uma espécie de barbante, motivo por que tem de correr, já que a moto, claro, corre). Vejo aquele cachorro correndo e fico chocada.

Digo a mim mesma que correr não faz parte da natureza dos cachorros.

Mas e da natureza dos homens, faz parte?

pequena explicação

me ausentei por estes dias porque embora tenha me formado em direito, tenho mesmo exercido a função de enfermeira, com muito mais frequência do que a minha profissão de formação. Quem sabe junto com a graduação de direito eu não tenha - inesperadamente - ganhado de brinde uma graduação a mais. Eu devo mesmo ter errado de curso...
Essas coisas da vida.

ps: ah! apesar da falta de talento da enfermeira, o paciente está bem. cada vez melhor.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Amanhã



Vejo essa imagem e lembro de algo que li em "A elegância do ouriço", de Muriel Barbery. Diz assim: "se tememos o amanhã, é porque não sabemos contruir o presente e, quando não sabemos contruir o presente, contamos que amanhã saberemos e nos ferramos, porque amanhã acaba sempre por se tornar hoje, não é mesmo? (...) é agora que importa: construir agora, alguma coisa, a qualquer preço, com todas as nossas forças. (...) nos superarmos a cada dia, para tornar cada dia imperecível. Escalar passo a passo nosso próprio Everest e fazê-lo de tal modo que cada passo seja um pouco de eternidade. O futuro serve para isto: para construir o presente".

(Engraçado: acho 'amanhã' uma palavra que soa literária, ao passo que 'futuro' me parece tão científica, tão tecnológica. Por isso, este post se chama 'amanhã', e não 'futuro')

Ah!, a imagem aí de cima é de um trabalho de Markus Leitsch, chamado, como não poderia deixar de ser, "Gone tomorrow".

sábado, 22 de agosto de 2009

Não

Eu não quero a memória que embota a ação. Quero nascer a cada instante. Quero nascer em cada instante e, assim, dona de vários mapas astrais, ter múltiplas possibilidades, múltiplas vidas.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Jardim

Há um tempo, ouvindo Titãs ("Os cegos do castelo"), fiquei pensando que ninguém pode cuidar de jardim alheio, só do próprio. Fiquei pensando que o máximo que se pode fazer é inspirar os outros a cuidarem do próprio jardim. Inspirar. Nada mais (se bem que inspirar não é pouco, aliás, por vezes, é tudo o que se necessita, não é mesmo?).

Agora, lendo uma entrevista de Zygmunt Bauman à Cult (sim, a revista), essa questão me voltou à cabeça por causa de uma resposta que transcrevo a seguir:


"Cult - Por que se fala tanto hoje de 'fim das utopias'?

Bauman - Na era pré-moderna, a metáfora que simboliza a presença humana é a do caçador. A principal tarefa do caçador é defender os terrenos de sua ação de toda e qualquer interferência humana, a fim de defender e preservar, por assim dizer, o 'equilíbrio natural'. A ação do caçador repousa sobre a crença de que as coisas estão no seu melhor estágio quando não estão com reparos; de que o mundo é um sistema divino em que cada criatura tem seu lugar legítimo e funcional; e de que mesmo os seres humanos têm habilidades mentais demasiado limitadas para compreender a sabedoria e harmonia da concepção de Deus.

Já no mundo moderno, a metáfora da humanidade é a do jardineiro. O jardineiro não assume que não haveria ordem no mundo, mas que ela depende da constante atenção e esforço de cada um. Os jardineiros sabem bem que tipos de plantas devem e não devem crescer e que tudo está sob seus cuidados. Ele trabalha primeiramente com um arranjo feito em sua cabeça e depois o realiza. Ele força a sua concepção prévia, o seu enredo, incentivando o crescimento de certos tipos de plantas e destruindo aquelas que não são desejáveis, as ervas 'daninhas'. É do jardineiro que tendem a sair os mais fervorosos produtores de utopias. Se ouvimos discursos que pregam o fim das utopias, é porque o jardineiro está sendo trocado, novamente, pela ideia do caçador."

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Tempo

Porque meu último post me fez lembrar dessas linhas:


Amar o tempo
Que poderia estar sendo
Amar o tempo
Que o é em pensamento
Amar o tempo secreto
O tempo desejo
Interior
Amar o tempo
Que poderia ser
Que é, ainda que tempo-não tempo,
Ainda que tempo perdido, naquilo que não se fez
Amar o tempo que é
Por mais que nunca tenha sido
Por mais que nunca venha a ser

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

dúvida

com o fruto dependurado no tronco
nutre-o com sua seiva
árvore ou mulher?

domingo, 16 de agosto de 2009

Sobre concretizações (e perdas(?))

Às vezes, a gente quer muito uma coisa, mas, quando a possibilidade de concretização se avizinha, vem medo de perder uma outra, uma outra coisa que a gente tem.

Não quero pensar sobre qual é mais importante, porque, por vezes, essa ponderação simplesmente não cabe, e não cabe por ter uma coisa natureza tão distinta e importância tão distinta da outra coisa. Mas não consigo deixar de pensar que, se o advento de algo implica, necessariamente, a perda de outro algo, talvez seja porque esse outro algo, na verdade, nunca foi nosso (por mais que tenha sido).

sábado, 15 de agosto de 2009

do amor

Ele diz que a ama.
Ela desdenha.
E cortante, diz:
"Como ama se não olhas as estrelas?"

Tenho que concordar com ela.
O amor não combina com a pressa.
O amor é bicho preguiçoso...

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Rosa

Havia uma rosa no meio do meu dia
Uma rosa para mitigar a solidão do asfalto
Rosa ainda em botão
Que só brotaria ao colher a lágrima solitária

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Pra perder o medo

Praticamente não conhecia Beto Guedes (na verdade, acho que continuo não conhecendo). De uma forma ou de outra, porém, um amigo me deu um cd dele (de Beto Guedes) e gostei muito desses versos:

"Estender o sol na varanda até queimar
só pra não ter mais nada a perder
pra perder o medo, mudar de céu, mudar de ar
clarear de vez Lumiar"

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Exercício

Reiteradamente
Forçar os ombros
Pra trás
Como uma ave
A bater as asas
Forçar pra trás os ombros
E alçar voo

despertar

pisar suave
em terra alheia
para não acordar as mágoas
e não afungentar os passarinhos

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Pra começar a semana



Gosto dessa imagem pra começar (no caso, a semana). É de uma pintura de Alika Cooper e não tem nome, ou melhor, pode ter o nome que cada um quiser dar. :)

domingo, 9 de agosto de 2009

Pão

Ela tem raiva
E joga sobre você
Um pão
(Metáfora do alimento que você não deu)

caleidoscópio

estica a linha
amplia o horizonte - arte

sábado, 8 de agosto de 2009

Poema de Yeats

"Quando você ficar velha, grisalha e muito sonolenta,
E cochilando perto do fogo, pegue este livro,
E leia lentamente, e sonhe com o olhar suave
Que seus olhos um dia tiveram, e com a profundidade de suas sombras;

Quantos amaram seus momentos de radioso encanto,
E amaram sua beleza com falso ou verdadeiro amor,
Mas um homem amou a alma peregrina em você,
E amou as mágoas do seu rosto cambiante."

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Desabar sobre os homens

Hoje a chuva me caiu leve.
E cantei:

"Menina, amanhã de manhã
quando a gente acordar
quero te dizer
que a felicidade vai
desabar sobre os homens

Na hora ninguém escapa
debaixo da cama
ninguém se esconde
a felicidade vai
desabar sobre os homens"
(Tom Zé)

Mudança

Acordar
Com o pé esquerdo
Mas, num cruzamento qualquer,
Virar à direita

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

sal

há dias em que acordo com o gosto de mar na boca
é como se a liberdade me visitasse em sonhos

Frase de Carpinejar

"Mexa as chaves no bolso para despertar uma porta."

Lembrarei dessa sugestão a partir de agora. Lembrem vocês também, se possível. :)

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Bonsai

Ela sempre quisera ter um bonsai. Mas, antes que isso acontecesse, ele apareceu. Apareceu e, em um dado dia, lhe disse: "se eu tivesse te tirado no amigo secreto, te daria um bonsai".

Ele deve ter imaginado que ela gostaria de um bonsai. Sim, porque ela nunca havia falado nada a respeito. Mesmo nunca tendo falado nada, porém, talvez por sempre ter dito pra si mesma que, no dia em que montasse a própria casa, teria um bonsai, ela não esqueceu daquela frase.

Hoje, ela queria ter esquecido. É que, se tivesse esquecido, hoje ela poderia ter um bonsai. Não, ela não pode mais. Por quê? Porque os bonsais a remetem a ele, ele que se transformou em uma lembrança indesejada (indesejada porque ela acha que ele não foi nada legal com ela). Mas, ainda que ela pense que não mais deve ter um bonsai em casa, seus olhos continuam a apreciar a beleza dos bonsais. É por isso que, agora, ela dá bonsais de presente, ela dá o que ela não mais pode ter.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Laranja

Antes: rosas amarelas. Pra preservar a doçura.
Hoje: par de óculos laranjas. Pra ver o mundo sempre amanhecendo.


"Impressionista

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo."
(Adélia Prado)

domingo, 2 de agosto de 2009

Pra colorir o domingo



A imagem aí do lado é de uma pintura de Klimt chamada Apple Tree.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Sobre doces e tristeza e prazer

"(...) não vou ter nenhuma pimenta na minha cozinha. A sopa pode dispensar pimenta... Talvez seja a pimenta que deixa as pessoas esquentadas", continuou, muito satisfeita por ter descoberto um novo tipo de regra, "e o vinagre que as deixa azedas... e a camomila que as deixa amargas... e os doces e as balas que deixam as crianças dóceis. Só queria que as pessoas soubessem disso, pois então não seriam tão mesquinhas com os doces...'"

****

"Não tinham andado muito, quando viram a Tartaruga Falsa à distância, sentada triste e solitária numa pequena saliência de rocha, e, quando chegaram mais perto, Alice a ouviu suspirar como se o coração fosse se partir aos pedaços. Sentiu muita pena dela? "Qual é a sua tristeza?", perguntou ao Grifo. E o Grifo respondeu, mais ou menos com as mesmas palavras de antes: "É tudo fantasia dela, ela não tem nenhuma tristeza. Vamos!'"

****

"(...) ela se compadeceria de suas tristezas simples e encontraria prazer em todas as suas alegrias simples, lembrando-se da sua própria infância e dos dias felizes de verão."

(Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Todo o sentimento

O amor é mais belo quando se aprende a vivê-lo com leveza. Quando se vive apenas a seu tempo. Enquanto é vivo e intenso. Quando não se insiste em prolongar. Quando não se espera perder a cor para saber que é tempo de ir embora. É preciso fechar a porta quando no último olhar o amor ainda é belo, para que se possa guardar a beleza. Assim, belo na lembrança o amor em novas vestes segue ao nosso lado. Diferente, mas amor. Há amores que nos acompanham.

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente.
Preciso conduzir
Um tempo de te amar,
Te amando devagar e urgentemente.

Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez,
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez.

Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente...
Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.

Depois de te perder,
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.

(chico buarque)

Dança

Começo a pensar que a vida é uma grande dança, boa ou ruim, mas uma grande dança.


"Disse a branquinha ao caracol: "Vê se apressa esse passo!
Pisam na minha cauda, há um delfim em nosso encalço."
Lagostas e tartarugas, ansiosas, avançam!
Esperam entre os seixos - você vai entrar na dança?
Não vai, vai, não vai, você vai entrar na dança?
Vai, não vai, vai, você não vai entrar na dança?

"É tão delicioso, você nem pode imaginar,
Quando nos atiram, com as lagostas, para o mar!"
Mas, disse o caracol, "Longe demais", sem confiança...
Ficava muito grato, mas não ia entrar na dança.
Não, não podia, não, não ia entrar na dança.
Não, não ia, não, não podia entrar na dança.

"Longe? Mas e daí?", respondeu a amiga escamada.
"Você bem sabe que existem praias do outro lado.
Se longe da Inglaterra, muito mais perto da França...
Meu caro, não tenha medo, trate de entrar na dança.
Não vai, vai, não vai, você vai entrar na dança?
Vai, não vai, vai, você não vai entrar na dança?'"

(Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas)

quarta-feira, 29 de julho de 2009

leveza

"pipas no céu
entre pássaros de penas
asas de papel"
Maria Valéria Rezende

















Este haikai é de um livro de Alice Ruiz e Maria Valéria Rezende só de haikais voltado para o público infantil. Quer dizer, também para crianças.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Amizade

Ouvindo Vinicius de Moraes lembrei do hábito dele de celebrar as suas amizades com parcerias musicais. Um bom hábito, diga-se de passagem. E pensando sobre este blog foi que eu compreendi o quão magnífico é celebrar a amizade, sacramentá-la através da arte. Acho que não se pode chegar a nível maior de cumplicidade. Este post é para Carol, minha companheira de blog, amiga e cúmplice na arte.


Celebração

Porque o post de ontem me fez lembrar destas linhas:


Meu chá não é acompanhado por torradas
Mas por cream cracker
Cream cracker que como de pé
Na cozinha, enquanto olho a lua

Nesses momentos, meu coração celebra, silenciosamente, o que não foi
Sem mágoa
Apenas recordações
De desejos deixados de lado
De desejos que deram espaço
A outros

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Sonhos

Terça da semana passada, assistindo a "O equilibrista", uma frase me chamou a atenção: "Preciso ser um naufrágo na ilha do meu próprio sonho".

Dias depois, na sexta, assistindo a "As pontes de Madison", uma outra fala também sobre sonhos me chamou a atenção. Dizia mais ou menos assim: Os sonhos que não se concretizaram ficaram pra trás, mas que bom que, por algum tempo, eu os tive comigo.

Que bom!, porque, com os sonhos, dá pra fazer um arco-íris.

sobre homens e mulheres

Vi certa vez uma entrevista de Alice Ruiz na qual ela comentou que Caetano Veloso havia mandado fazer uma pesquisa em suas letras de música sobre que palavra era mais recorrente e o resultado foi, não para minha surpresa: eu. Alice quando soube disso resolveu fazer o mesmo com os seus poemas e resultado foi: você.
Não sou muito afeita a divisões maniqueístas entre mulheres e homens, mas não pude deixar de achar esses resultados bem representativos do ponto de vista inicial de ver o mundo do homem e da mulher.... E quando falo isso não estou de modo algum dizendo que é bom sempre partir de si ou do outro. Acho que nas duas situações o excesso é péssimo.
Alice deve ter chegado a alguma conclusão parecida e em função disso fez um poema, posteriormente musicado em que ela decide tirar "você" do dicionário.


"Eu vou tirar do dicionário
A palavra você
Vou trocá-la em miúdos
Mudar meu vocabulário
E no seu lugar
Vou colocar outro absurdo
Eu vou tirar suas impressões digitais
Da minha pele
Tirar seu cheiro
Dos meus lençóis
O seu rosto do meu gosto
Eu vou tirar você de letra
Nem que tenha que inventar
Outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
Com quantos "nãos" se faz um sim
Eu vou tirar o sentimento
Do meu pensamento
Sua imagem e semelhança
Vou parar o movimento
A qualquer momento
Procurar outra lembrança
Eu vou tirar, vou limar de vez sua voz
Dos meus ouvidos
Eu vou tirar você e eu de nós
O dito pelo não tido
Eu vou tirar você de letra
Nem que tenha que inventar
Outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
Com quantos "nãos" se faz um sim"


domingo, 26 de julho de 2009

Domingo



Acho a imagem aí do lado a cara de um domingo, quando a gente pode, simplesmente, relaxar. Chama Lugar de sobra e é de um trabalho de Marcos Chaves.

sábado, 25 de julho de 2009

Tempo

"Alice suspirou cansada. "Acho que você poderia aproveitar melhor o seu tempo", disse, "em vez de desperdiçá-lo propondo charadas que não têm resposta."

"Se você conhecesse o Tempo como eu conheço", disse o Chapeleiro, "não falaria em desperdiçá-lo como se fosse uma coisa. É um senhor."

"Não entendo o que você quer dizer", disse Alice.

"Claro que não entende", disse o Chapeleiro, atirando a cabeça desdenhosamente para trás. "Acho que você nunca sequer falou com o Tempo!"

"Talvez não", respondeu Alice cautelosamente, "mas sei que tenho de bater o tempo, quando estudo música."

"Ah! Isso explica tudo", disse o Chapeleiro. "Ele não suporta ser batido. Agora, se você mantivesse boas relações com o Tempo, ele faria quase tudo o que você quisesse com o relógio. Por exemplo, vamos supor que fossem nove da manhã, bem na hora de começarem as aulas. Você só teria de sussurrar uma dica para o Tempo, e o ponteiro giraria num piscar de olhos! Uma e meia, hora do almoço!"

("Como gostaria que fosse", disse a Lebre de Março para si mesma num sussurro.)

"Seria maravilhoso, certamente", disse Alice pensativa, "só que ... eu não estaria com fome."

"A princípio, talvez não", disse o Chapeleiro, "mas você poderia manter o relógio marcando uma e meia por quanto tempo quisesse."

"É assim que você faz?", perguntou Alice?

O Chapeleiro sacudiu a cabeça tristemente. "Não!", respondeu. "Brigamos no mês de março passado ... pouco antes de ela ficar louca, sabe..." (apontando com a colherinha para a Lebre de Março) "... foi no grande concerto dado pela Rainha de Copas, e eu tinha de cantar

'Pisque, pisque, morceguinho!'
O que faz aí sozinho?'

Você talvez conheça a canção."

"Já escutei algo parecido", disse Alice.
"Continua", disse o Chapeleiro, "da seguinte maneira:

'Sobre o mundo voa ao léu,
Bandeja de chá no céu.
Pisque, pisque...' "

Nesse momento, o Arganaz se sacudiu e começou a cantar dormindo "Pisque, pisque, pisque, pisque...". E continuou a cantar por tanto tempo que tiveram que lhe dar um beliscão para fazê-lo parar."

(Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas)

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Labirintos

Pensando que uma cidade desconhecida pode ser um bom meio pra descoberta de si mesmo. Porque realmente é se perdendo que a gente se encontra. Nada como um labirinto novo portanto, um labirinto desconhecido.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Imitação (ou Cerca elétrica II)

A gente pode imitar os pássaros, se equilibrando, sobre a vida. Mesmo que imitemos, contudo, me parece que corremos menos perigo do que eles, que se equilibram sobre cercas elétricas.

Isso tudo me faz lembrar de "O equilibrista" (sim, o documentário) e me leva a pensar que, talvez, Philippe Petit, o equilibrista que inspirou o filme, tenha, no fundo, caminhado da Torre Sul à Torre Norte do World Trade Center sobre um cabo de aço apenas pra se sentir um passarinho. É, um passarinho.

espairecer manoelino

"Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao
pente funções de não pentear. Até que ele fique à
disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.

Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma."

***

"As coisas não querem mais ser vistas por pessoas
razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul -
Que nem uma criança que você olha de ave."

***

"Poesia é voar fora da asa"


Manoel de Barros (O livro das ignorãças)

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Cerca elétrica



Tarde é clara
Pombo para
Sobre fio-elétrico
Sobre fio-perigo
O pombo pelo fio da navalha


A imagem aí de cima é de uma pintura da mineira Patrícia Leite.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Mundo. E desmundo

Como as cores são as pessoas: cada uma com uma tonalidade, com um mundo dentro de si. Mas o mundo de cada um requer algum tato pra se revelar. Até esse achar, até que se descubra o aconchego, porém, o que se tem é o desmundo, desmundo que tem por função inquietar, pra assim forçar cada qual a trilhar a estrada que conduz até o próprio mundo.

Por muito tempo, eu achei que o meu mundo fosse "O mundo da lua", o mundo de Lucas Silva e Silva, mas, hoje, sei que não, sei que tenho o meu próprio mundo e tento me recordar sempre do caminho que a ele conduz. Sim, porque, por vezes, sei que vou me perder.

domingo, 19 de julho de 2009

Retorno

Gosto de partir. Sentir-me livre, desprendida.
Mas gosto do retorno. De chegar ao meu aconchego. Onde todos os caminhos já foram percorridos. Até as paredes me reconhecem e me acolhem. O calor conhecido da cama. O cheiro sereno da casa. Que adentra meu peito e renova o sangue. Sou acolhida pela cidade. Me sinto num ninho por entre os braços do Capibaribe. As ruelas e as suas gentes. O cheiro nem tão agradável da cidade. O vento forte perto do cais. As chuvas desses dias julhinos que fazem subir o cheiro forte de terra. O cheiro de terra forte.

É bom pôr os pés em solo conhecido.

E já não há casa ou cidade. Não existem esses elementos distintamente. Há apenas uma casa-cidade

E a terra e as águas desta cidade me constituem.

E por isso só sou por inteiro aqui.

Realidade

"a alma é o segredo, o segredo do negócio"
(Zeca Baleiro, Brigitte Bardot)

Talvez seja isso a realidade: a alma, o que persiste dentro da gente, as coisas que a gente treina os olhos pra eles verem e a gente internalizar.

sábado, 18 de julho de 2009

Pasárgada

Dei pra pensar que Cancun é uma ótima opção em lugar de Pasárgada. Dei pra pensar que Cancun é Pasárgada com alma solar (não melancólica nem triste).


"Eu vou me mandar
Peguei meu jaleco
Nesse teu xaveco eu não caio mais
Eu vou me mandar, eu vou pra Cancun
Teu 171 não me pega mais"
(Zeca Baleiro, Débora)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Ser

Ser o meu próprio
Estabilizador de humor
O meu sonífero
Meu antidepressivo
Ser tudo isso
Mas apenas ser
Sem ser demais
Sem ocupar espaço demais
Ser
Mas sem ser
Autossuficiente
Sem roubar espaço
A outras gentes

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Imperativos

Tenho um problema grande com imperativos. Sempre que alguém se dirige a mim usando-os, me sinto incomodada e, não raro (pra não dizer 'via de regra'), passo a olhar a pessoa com certa ressalva. Só uma "ordem" não me incomoda, quando alguém me diz: "Seja feliz". Pelo contrário. Nessas ocasiões, é como se me sentisse plena. Meus olhos brilham, eu fico mais firme diante da vida. Na verdade, acho que me sinto grata a quem me "ordena" isso, como se quem diz estivesse me lembrando de que a minha natureza anseia pela felicidade.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Luz



Porque sempre há alguma luz, algum verde, ainda que, por vezes, seja difícil de perceber. Alguma luz, mesmo que fora da nossa janela, mas luz ou verde que, de algum modo, adentra nossa janela. Porque a luz e o verde sempre se expandem.

Pra um amigo que anda precisando de luz.

Sim, a pintura aí de cima é da mineira Patrícia Leite.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Reinvenção

De repente, penso que ter paixão por livros é ter paixão por recomeços. Sim, porque, em cada livro, se encontra uma nova vida, uma nova estrada, logo um recomeço. Na impossibidade de muitos recomeços, porém, que a cada dia a gente descubra um jeito de se reinventar.

A Luaní, que, hoje, completa anos e inicia, assim, um novo ciclo.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Pra começar a semana

"O recepcionista, subterfugitivo, vagueia: não existe o ter vivido. Viver é um verbo sem passado."

Que vivamos!

(Mia Couto; Venenos de Deus, remédios do diabo)

sábado, 11 de julho de 2009

Porque

Porque, por vezes, é preciso desembaçar a forma de ver o mundo. Desembaçar reinventando a forma de ver o mundo. Desembaçar pondo o mundo em uma outra fôrma.


A foto aí do lado é da autoria de Anna Malagrida e faz parte da série Point de Vue.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Cinza, vermelho e poesia

O mundo jurídico me assusta.
As suas leis, regras, etiquetas, teorias.
Os seus ternos, gravatas, saltos altos e maquiagens.
As suas máscaras ou armaduras ou armadilhas.
No direito é sempre inverno.
E os tons são de cinza.
De fato, não há poesia nas leis.

Talvez eu tenha escolhido o curso errado.
Talvez, tudo seja culpa do vermelho...


"Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare


— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação."
(Manuel Bandeira)

Frases de Mia Couto

Duas frases que li em Venenos de Deus, remédios do Diabo, de Mia Couto, e que me fizeram parar a leitura por alguns momentos:

"- Uma coisa aprendi na vida. Quem tem medo da infelicidade nunca chega a ser feliz."

"Todavia, o mar é o habilidoso desenhador de ausências" e isso, fiquei pensando, quando a gente deixa que certas memórias caiam na nossa zona abissal.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Iluminação

Encontrar, dentro de si, o amanhecer

terça-feira, 7 de julho de 2009

"um bom samba é uma forma de oração"

tenho ouvido pequenas orações diárias...

Passar

Passa um pássaro
E me chama
Quando vejo, já passou
Passou mas
Talvez sem saber
E talvez sem querer
Ou talvez sabendo
E talvez querendo
Me fez ver
É preciso aprender
A passar
Passar
E seguir viagem
Levando somente o canto
O canto que ensina
A passar
O canto que é canto
Pra anunciar
A chegada
E a despedida
Canto de todos
O mais perfeito
Canto que ensina
O desapego
Porque quem chega chega e começa
A partir

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Vida

O post de ontem me fez lembrar dessa música:

"Vida
Composição: Indisponível

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Deixei a fatia
Mais doce da vida
Na mesa dos homens
De vida vazia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Verti minha vida
Nos cantos, na pia
Na casa dos homens
De vida vadia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz

Luz, quero luz,
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
Com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, veia
E pulsa, pulsa, pulsa,
Pulsa, pulsa mais
Mais, quero mais
Nem que todos os barcos
Recolham ao cais
Que os faróis da costeira
Me lancem sinais
Arranca, vida
Estufa, vela
Me leva, leva longe
Longe, leva mais

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Toquei na ferida
Nos nervos, nos fios
Nos olhos dos homens
De olhos sombrios
Mas, vida, ali
Eu sei que fui feliz"

domingo, 5 de julho de 2009

Partidas

Uma amiga muito querida viaja hoje. Vai pra São Paulo, fazer um curso por lá. Depois do curso, vai ver o que acontece. Talvez volte, talvez fique por aquelas paragens. Apesar da viagem, porém, não a vi nos últimos dias, de forma que não deu pra gente se despedir. É, não deu, mas, confesso: isso não me incomoda. E não incomoda simplesmente porque isso não importa, já que, no fundo, seria algo meio sem sentido. Sim, meio sem sentido, uma vez que, embora ela vá, ela permanece, de alguma forma, aqui comigo, do mesmo jeito que eu, de alguma maneira, vou com ela. Sim, vou, de um jeito que já fui outras vezes e, sei, vou continuar a ir enquanto houver pessoas queridas partindo.

Antes tinha medo das partidas, mas elas foram se tornando frequentes e fui conhecendo-as melhor. Fui conhecendo-as mais e mais, até, finalmente, ter confiança pra brincar com elas, sim, brincar, como fazem as crianças, com total entrega. E foi assim que as partidas se tornaram minhas amigas, amigas que me ajudam a fazer cafuné nos sonhos e a criar sonhos novos, necessários pra que eu continue a me sentir viva e pra renovar o brilho dos olhos.

Ontem, pensando na viagem de que falava logo no começo deste post, lembrei de um verso de (Manuel) Bandeira que a minha amiga que viaja hoje, uma vez, me mandou. Diz assim: "Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir". Na ocasião, ela me escreveu (compartilho porque sei que ela não se importará): "essas lições de partir são sonhos, meus sonhos. Pra mim, a partida da morte, não necessariamente, é a embalagem de madeira. Toda viagem, no fundo, é uma morte: uma morte que leva para uma vida. Uma vida que depois, mais cedo ou mais tarde, será morrida: será matada. Vamos partir. Par-tir." Sim, partir. Vamos partir.

sábado, 4 de julho de 2009

Dia cinzento

Descansa o sol. Não se esconde. Não. É que é daquelas coisas que não se escondem. É daquelas coisas sempre visíveis. Visíveis ainda que em silêncio. Visíveis ainda que sem fazer barulho. Visíveis pelo que são. E só.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

colecionador de nuvens




"- Acha que vai chover, Doutor?
Sidónio olha pra cima, incompetente para tanto céu. Aquelas nuvens não são as suas, e mesmo que fossem as de Lisboa, ele não saberia ler nelas nenhuma previsão metereológica. Não, ele nunca fora aquilo que na Vila se chama "um colecionador de nuvens"."
(Mia Couto)

Nada

Durmo sobre meu próprio sonho. Durmo e encontro mais do que o vazio. Encontro o nada absoluto. Nada, que não é bom nem ruim, apenas nada. Nada, que se rege por uma outra dinâmica. Nada, que não é sonho, mas tampouco pesadelo.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

luz e silêncio

gosto do silêncio das igrejas
e da luz que adentra devagar
naqueles arredores do divino

silêncio e luz
penso que Deus seja assim

ando cultivando o silêncio
as angústias silenciaram
acalmo o coração

aqueço-o
num iluminado afago
com as exatas cores do vitral

a luz suave
e um calor-útero

aconchego

acho que é isso que chamam de paz.

eu chamo.

terça-feira, 30 de junho de 2009

A palo seco

"A PALO SECO

1.1. Se diz a palo seco
o cante sem guitarra;
o cante sem; o cante;
o cante sem mais nada;
se diz a palo seco
a esse cante despido:
ao cante que se canta
sob o silêncio a pino.

1.2. O cante a palo seco
é o cante mais só:
é cantar num deserto
devassado de sol;

é o mesmo que cantar
num deserto sem sombra
em que a voz só dispõe
do que ela mesma ponha.

1.3. O cante a palo seco
é um cante desarmado:
só a lâmina da voz
sem a arma do braço;

que o cante a palo seco
sem tempero ou ajuda
tem de abrir o silêncio
com sua chama nua.

1.4. O cante a palo seco
não é um cante a esmo:
exige ser cantado
com todo o ser aberto;

é um cante que exige
o ser-se ao meio-dia,
que é quando a sombra foge
e não medra a magia.

2.1. O silêncio é um metal
de epiderme gelada,
sempre incapaz das ondas
imediatas da água;

a pele do silêncio
pouca coisa arrepia:
o cante a palo seco
de diamante precisa.

2.2. Ou o silêncio é pesado,
é um líquido denso,
que jamais colabora
nem ajuda com ecos;

mais bem, esmaga o cante
e afoga-o, se indefeso:
a palo seco é um cante
submarino ao silêncio.

2.3. Ou o silêncio é levíssimo,
é líquido sutil
que se coa nas frestas
que no cante sentiu;

o silêncio paciente
vagaroso se infiltra,
apodrecendo o cante
de dentro, pela espinha.

2.4. Ou o silêncio é uma tela
que difícil se rasga
e que quando se rasga
não demora rasgada;

quando a voz cessa, a tela
se apressa em se emendar:
tela que fosse de água,
ou como tela de ar.

3.1. A palo seco é o cante
de todos mais lacônico,
mesmo quando pareça
estirar-se um quilômetro:

enfrentar o silêncio
assim despido e pouco
tem de forçosamente
deixar mais curto o fôlego.

3.2. A palo seco é o cante
de grito mais extremo:
tem de subir mais alto
que onde sobe o silêncio;

é cantar contra a queda,
é um cante para cima,
em que se há de subir
cortando, e contra a fibra.

3.3. A palo seco é o cante
de caminhar mais lento:
por ser a contrapelo,
por ser a contravento;

é cante que caminha
com passo paciente:
tem a fibra de dente.

3.4. A palo seco é o cante
que mostra mais soberba;
e que não se oferece:
que se toma ou se deixa;

cante que não se enfeita,
que tanto se lhe dá;
é cante que não canta,
cante que aí está.

4.1. A palo seco canta
o pássaro sem bosque,
por exemplo: pousado
sobre um fio de cobre;

a palo seco canta
ainda melhor esse fio
quando sem qualquer pássaro
dá o seu assovio.

4.2. A palo seco cantam
a bigorna e o martelo,
o ferro sobre a pedra,
o ferro contra o ferro;

a palo seco canta
aquele outro ferreiro:
o pássaro araponga
que inventa o próprio ferro.

4.3. A palo seco existem
situações e objetos:
Graciliano Ramos,
desenho de arquiteto,

as paredes caiadas,
a elegância dos pregos,
a cidade de Córdoba,
o arame dos insetos.

4.4. Eis uns poucos exemplos
de ser a palo seco,
dos quais se retirar
higiene ou conselho:

não o de aceitar o seco
por resignadamente,
mas de empregar o seco
porque é mais contundente."
(João Cabral de Melo Neto)



"A Palo Seco
Composição: Belchior

Se você vier me perguntar por onde andei
No tempo em que você sonhava
De olhos abertos lhe direi
Amigo, eu me desesperava

Sei que assim falando pensas
Que esse desespero é moda em 73
Mas ando mesmo descontente
Desesperadamente eu grito em português

Tenho 25 anos de sonho e de sangue
E de América do Sul
Por força desse destino
O tango argentino me vai bem melhor que o blues

Sei que assim falando pensas
Que esse desespero é moda em 73
Eu quero que esse canto torto
Feito faca corte a carne de vocês"

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Confusão

Vejo lâmpadas
Acesas
Vejo
À distância
E, à distância,
Penso serem estrelas

domingo, 28 de junho de 2009

O vento e a janela (ou El viento y la ventana)

O vento adentra
A casa
Adentra
Pela janela aberta
Mejor, por la ventana

O vento adentra
A janela abre-lhe
Caminho
A janela
Incapaz de negar-lhe
Passagem
Porque não se nega passagem
A um irmão

Sí, hermanos
El viento
Y la ventana

sábado, 27 de junho de 2009

Da série "Tão legal que dá vontade de dividir"



Como sempre acontece nesta série, vi a imagem aí de cima e pensei logo em postar aqui. Talvez não seja tão bonita assim, mas nem por isso deixa de ser legal. Chama green figures e o artista-autor chama Nicholas Monro.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Arte



Me deparei com essa blusa feita por Louise Bourgeois e lembrei, imediatamente, da minha nova atividade preferida para os momentos de tristeza: pintar (com lápis de cor mesmo) alguma folha previamente desenhada (não por mim, que sempre fui um fracasso desenhando). É, pintar. Pra distrair a tristeza.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

... Falando em sinais de trânsito

"Sinal Fechado
Composição: Paulinho da Viola

Olá, como vai?
Eu vou indo e você, tudo bem?
Tudo bem eu vou indo correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranquilo, quem sabe...
Quanto tempo... pois é...
Quanto tempo...
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
Oh! Não tem de quê
Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo talvez nos vejamos
Quem sabe?
Quanto tempo... pois é... (pois é... quanto tempo...)
Tanta coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge a lembrança
Por favor, telefone, eu preciso
Beber alguma coisa, rapidamente
Pra semana
O sinal...
Eu espero você
Vai abrir...
Por favor, não esqueça,
Adeus..."

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Necessidade

Preciso de um sinal de trânsito. Para adestrar a minha mente. Um sinal de trânsito. Para ensiná-la a se aquietar. Sim, um sinal. Amarelo. Porque assim é mais fácil alcançar o vermelho. Assim. Lentamente. Sem gestos bruscos. Sem permitir à minha mente o assustar.


"Outro dia, um monge me disse:
- O local de descanso da mente é o coração. A única coisa que a mente escuta o dia
inteiro são sinos dobrando, barulho e discussão, e tudo que ela quer é tranquilidade. O único lugar em que a mente vai encontrar paz é dentro do silêncio do coração. É para lá que você tem de ir."

(Elizabeth Gilbert, Comer, rezar, amar)

Manhã

Os primeiros raios da manhã me aquecem suavemente como quem faz um afago, um carinho escondido.


"Um galo sozinho não tece a manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro: de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzam

os fios de sol de seus gritos de galo

para que a manhã, desde uma tela tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão"

(João Cabral de Melo Neto)


terça-feira, 23 de junho de 2009

Persépolis

Tou eu, por esses dias, ouvindo a trilha de Persépolis (adoro a trilha, o livro, o filme, o pacote completo) e revendo o encarte quando penso em transcrever, aqui, umas poucas linhas do livro que estão transcritas no encarte. Linhas que dizem assim:

"In your lifetime, you're going to meet a lot of jerks. If someone hurts you, just tell yourself it's due to their lack of intelligence. That way, you'll never sink down to their level... Because there's nothing worse in this world than bitterness and revenge. Never lose sight of your dignity. Always stay true to yourself!"

segunda-feira, 22 de junho de 2009

chuva

recebera a chuva como uma benção
as nuvens lhe entregavam o que há de mais precioso
deixava a água escorrer pelo corpo
observava os seus pés se misturarem à lama
voltava ao ponto de partida
à terra, ao pó

via a água inundando
e aquietava seu coração

Céu II



Falando em céu, lembrei desse trabalho de Magritte, chamado The future of statues.

domingo, 21 de junho de 2009

"um céu cheio de estrelas
feitas com caneta bic num papel de pão"
(zeca baleiro)

Céu

Ver o céu. Deitada em cima do lugar mais alto possível.
Ver o céu. Como quem tá dentro dele (o céu).

sábado, 20 de junho de 2009

Aprender o silêncio

Ela cala. Aprendera que as palavras foram e são inúteis. Não, não, ela não achava justas as palavras que ouvia. Não lhes dava razão. Mas aprendera que falar, neste caso, de nada adiantaria.
Aprendera a se proteger, a ter uma casca. Fazer do casco sua casa, seu refúgio.
E assim as palavras machucavam menos. As lágrimas não brotavam. Sabia da mesquinhez e pequenez das palavras. E não deixava que elas a tocassem.
Aprendeu o silêncio. Aprendeu a indiferença.
Não, ela não carregava mágoas. Ela decidira que a sua mala seria sempre leve. Ela decidira não ter malas. Não carregava consigo apenas a sua casca-casa.

Sem mágoas e sem proferir palavra, ela poderia seguir serena e protegida.



"Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Para que meus inimigos tenham pés, não me alcancem
Para que meus inimigos tenham mãos, não me peguem, não me toquem
Para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam
E nem mesmo um pensamento eles possam ter para me fazerem mal"
(Jorge Ben)

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Despedida

Uma última vez
Olhar
...
Pela última vez
(Ou não)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Decisão II

A postagem de ontem me fez lembrar de um trecho de Mario Benedetti:

"É fato que isso não me preocupa muito, mas também que não quero lhe fazer mal. E não querer lhe fazer mal é a interpretação menos arriscada do amor. Também é fato que tudo teria corrido melhor se naquele tempo Alicia e eu nos tivéssemos visto, se Miguel não tivesse tomado a única decisão de sua vida. Mas quem de nós julga quem?"

(Quem de nós)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Decisão

Tornou-se um estrangeiro. Um estrangeiro por acreditar que, sob essa nova roupagem, quem sabe ela fosse capaz de amá-lo.

Tornou-se um estrangeiro, sem saber que, assim, seus caminhos dificilmente se reencontrariam. Não, ele não sabia, mas, ainda que soubesse, teria arriscado, afinal, tudo é risco, tudo é exposição, não?

retorno

volto
de mansinho
pisando leve
falando baixinho
como se deve voltar ao ninho

terça-feira, 16 de junho de 2009

Da série "Tão legal que dá vontade de dividir"



Essa pintura me encantou de imediato. Chama Le pied sur la tête. Não sei por que, mas me remeteu a As bicicletas de Belleville (sim, o filme). Pena que não possa dizer quem é o artista, simplesmente esqueci de salvar o nome dele.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Caminhada



Gosto dessa imagem de um trabalho de Alberto Baraya e Brígida Baltar. Me lembra que é preciso disposição pra se ter o que se quer. Me lembra que, às vezes, é preciso deixar as malas pra trás.

domingo, 14 de junho de 2009

Frases

Zapeando a TV outro dia, ouvi duas frases tão legais. A primeira foi: "Vou pra Maracangalha". Ouvi e lembrei de Caymmi cantando: "Eu vou pra Maracangalha/Eu vou!/Eu vou de uniforme branco/Eu vou!/Eu vou de chapéu de palha/Eu vou!/Eu vou convidar Anália/Eu vou!/Se Anália não quiser ir/Eu vou só!/Eu vou só!/Eu vou só!/Se Anália não quiser ir/Eu vou só!/Eu vou só!/Eu vou só sem Anália/Mas eu vou!...".

Fico pensando que Maracangalha é um dos meus segredos, que, onde quer que eu esteja, sempre posso estar em Maracangalha. Sempre.

A outra frase que me chamou a atenção foi: "Você é o meu descanso". Descanso.

Bom domingo pra todo mundo. E bom descanso.

sábado, 13 de junho de 2009

Um poema

O tempo passou
A tenda ela desmontou
Aquele lugar deixou
E em busca de uma outra vida caminhou

Do tempo ela se afastou
Como quem se afasta de um velho amor
Tudo que era seu abandonou
Consigo apenas a tenda levou

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Celebrar

Andei pensando que o dia dos namorados é dia de celebrar a vida, a vontade, os desejos. Dia de celebrar, quer se tenha namorado, quer não.


Como a temática hoje é essa, uma letra de que me lembrei semana passada e que acho linda:

"Teresinha
Composição: Chico Buarque/Maria Bethânia

O primeiro me chegou como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia, trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens e as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio, me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada que tocou meu coração
Mas não me negava nada, e, assustada, eu disse não

O segundo me chegou como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente tão amarga de tragar
Indagou o meu passado e cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta me chamava de perdida
Me encontrou tão desarmada que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada, e, assustada, eu disse não

O terceiro me chegou como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada também nada perguntou
Mal sei como ele se chama mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama e me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não
Se instalou feito posseiro, dentro do meu coração"

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Frida

Não lembro quando descobri Frida. Lembro apenas que foi tempos antes do lançamento do filme de mesmo nome e que a minha identificação foi imediata.

Cobri meu primeiro caderno de faculdade com duas impressões de imagens de obras dela: uma na frente e outra atrás. A da frente era a La columna rota (A coluna quebrada) e a de trás um auto-retrato. Como eu me identificava com a La columna rota naquela época. Como aquilo era um retrato de mim então. E como eu simplesmente tentava não pensar! Como!

Mas aquele momento passou. Passou, o caderno acabou e a vida seguiu. A vida seguiu e eu segui com ela.

Não esqueci de Frida, mas já não a tinha todo o tempo diante de meus olhos. Não a tinha, mas voltei a ter, porque, há umas semanas, uma amiga me presenteou com um desenho de Frida que ela comprou pra mim, um desenho de Frida do pescoço pra cima, que reproduz as sobrancelhas inconfundíveis dela e que traz, coladas nos cabelos de Frida, três flores. Três flores. Três flores que agora vejo, quando olho pra ela.


A imagem aí de baixo é de La columna rota.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Desconforto

Quando se é estrangeiro de si mesmo

terça-feira, 9 de junho de 2009

Sequência

Em cadeia
Encadeia...
...Incendeia

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Pra começar a semana



Essa imagem de um trabalho de Marcelo Silveira me dá vontade de voar.

Ah!, o trabalho tem um nome lindo, parece título de poema: "Quando o coração floresce". Dá mesmo vontade de escrever um poema. Um poema para fazer o coração leve o suficiente para poder voar.

domingo, 7 de junho de 2009

Ciclo

Emigrar
Como as andorinhas
Emigrar
E aprender outra(s) língua(s)
Como as crianças

sábado, 6 de junho de 2009

Bonde

Me soa tão lindo 'bonde' em espanhol: tranvía. Acho que meu inconsciente se lembra de travessia e de transversal, se lembra que tudo é passagem e, por isso, nada merece o desespero, ao mesmo tempo que se lembra que, apesar de tudo ser passagem, o inesperado traz alegria, traz cor, traz fome de vida.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Aprendizado

Do mesmo modo
que da alegria
foste ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vid só consome
o que a alimenta.
(Ferreira Gullar)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

febril

O corpo queimava. Os olhos ardiam. Os lábios vermelhos como que em carne viva. Os sentidos atordoados. As noites insones. Ela era toda febre.
E não havia remédio que lhe curasse. Nem médico que explicasse o porquê daquela doença. As pessoas tolas, não entendima. Insistiam em chamar de doença o que era vida.
Não era doença, é amor. Não era febre, é fogo. Não era insônia, é desejo.

Liberdade

Penso que o desfazimento de certos laços tem um lado bom (bom, embora, nem por isso, sem dor): nos proporciona liberdade. Penso e lembro de um texto de Clarice (Lispector), bem ligado a essa reflexão.



"A conquista difícil de um amor
Clarice Lispector

Encontrei um bom amigo numa fila em que estávamos na rua do bairro. Conversávamos animadamente quando meu amigo espantou-se e me disse:
- Olhe, que coisa esquisita.

Olhei para trás e vi, da esquina para a gente, um homem vindo com o seu tranquilo cachorro puxado pela coleira.

Só que havia no cachorro algo que não era cachorro. A atitude toda era a de um cachorro e a do homem era a de um homem com o seu cão. Este é que não era.

Tinha focinho comprido de quem pode beber em copo fundo, rabo logo e duro, espetado no ar - poderia, é verdade, ser apenas uma variação individual da raça. Meu companheiro de fila levantou a hipótese de se tratar de um quati, mas achei o bicho muito cachorro demais para ser quati.

Ou seria o quati mais resignado e enganado que já vi.

Enquanto isso, o homem calmamente vindo.

Calmamente, não: havia nele uma tensão. Era a calma de quem se controla e aceitou a grande luta. Pois seu ar era de um natural desafiador. Não se tratava de um homem pitoresco ou esquisito. Era por coragem que andava em público com o seu estranho animal. Eu estava, sem saber por que, intrigada. E vagamente angustiada.

Meu amigo sugeriu a hipótese de outro animal de que na hora não se lembrou o nome. Mas nada me convencia: havia um mistério na situação.

Só depois é que, aos poucos, eu entenderia que minha atrapalhação não era propriamente minha. Minha confusão vinha de que aquele bicho já não sabia mais quem ele era e portanto não podia me transmitir uma imagem nítida sua.

Até que o homem passou quase perto de nós. Sem um sorriso, costas duras, altivamente
se expondo - não, nunca foi fácil passar como vítima diante de qualquer fila humana que julga. Fingia prescindir de admiração ou piedade. Mas cada um de nós, por experiência própria, reconhece o martírio de quem está protegendo um sonho. É tão difícil manter vivo um sonho e fingir que é verdade - à custa de procurar não enxergar a realidade dentro de si.

Aproveitei o fato de o homem estar andando ao meu lado e ousadamente perguntei-lhe:
- Que bicho é este?

Intuitivamente meu tom fora suave para não feri-lo com uma curiosidade desumana e malsã.

Perguntei-lhe que bicho era aquele, mas a minha pergunta incluía talvez o tom de uma indagação mais profunda: "Por que é que você faz isso? que carência é essa que faz você inventar um cachorro? e por que não um cachorro de verdade, já que precisava de dar afeto a um bicho? pois se os cachorros existem! Ou você não teve outro modo de possuir a graça desse bicho senão com uma coleira? mas você sabe que a gente não se apodera sem mais nem menos de um amor? não sabe que você esmagaria uma rosa se a apertasse demais com a força do amor?"

Tudo isso que não disse estava incluído na pergunta. Sei que o tom é uma unidade indivisível por palavras, sei que, se eu aprofundasse demais a coisa, estaria também eu esmigalhando uma rosa. Mas sei que estilhaçar o silêncio com palavras é um dos meus modos desajeitados de amar o silêncio. E que é assim que muitas vezes tenho assassinado aquilo que me forço a compreender. Se bem que, glória a Deus, uso mais o silêncio que as palavras.

O homem, sem parar, respondeu curto, reservado, embora sem aspereza.

E era quati mesmo, por Deus!

Ficamos olhando. Meu amigo e eu nem sorríamos. E ninguém na fila riu-se do homem: esse era o tom, essa era a intuição. Mas olhar pode-se. E sentir.

Era um quati que se pensava cachorro.

Às vezes, com seus gestos de cachorro, retinha o passo para árvores e coisas, o que retesava a coleira e retinha um pouco o dono, exatamente na usual sincronização de homem versus cachorro.

Acompanhei com o olhar esse quati que nào sabe quem é.

Imagino: se o homem o leva para brincar na praça e tomar ar, tem uma hora em que o quati se constrange todo:
- Mas, santo Deus, por que os cachorros me olham tanto, como se não fosse um deles? e por que me cheiram desconfiados?

Imagino também que, depois de um perfeito dia de cachorro, o quati se diga melancolicamente, olhando as estrelas:
- Que é que tenho afinal? que me falta? sou tão feliz quanto qualquer cachorro bem tratado! por que então este vazio, esta nostalgia e tanta saudade não sei de quê? que ânsia é esta como se eu só amasse o que não conheço?

E o homem - o único ser que pode livrá-lo da pergunta - esse homem criminoso nunca lhe dirá que ele é um quati - para não perdê-lo para sempre.

Penso: quantas pessoas são o patinho feio que na verdade será um belo cisne depois revelado? O quati que era um cachorro feio a revelar-se um dia um quati de verdade, outra raça, outro destino. Quantas pessoas não estão sendo o que realmente são? Além de grave, a troca de personalidade é angustiante, mal se pode disfarçar. Penso em maridos ou esposas que não dão direito ao outro de ser o que realmente é - e nunca contam o segredo.

E penso também na iminência de ódio que há no quati.

Ele sente amor e gratidão pelo homem que cuida dele. Mas por dentro não há como a verdade deixar de existir: o quati só não percebe que o odeia porque está vitalmente confuso. Eu sei, porque sinto ódio quando não me deixam ter a minha verdadeira realidade (qual?). Fico vitalmente confusa e não perdoo.

Não, às vezes eu perdoo - porque quem me toma por outra, precisa muito dessa outra inventada.

(...)

E se ao quati fosse de súbito revelado o mistério de sua verdadeira natureza?

Tremo ao pensar no fatal acaso que fizesse com que esse quati inesperadamente se defrontasse com outro quati.

E nele reconhecer-se. "Eu sou igual a ele." Tremo ao pensar nesse instante em que ele ia sentir o mais feliz pudor que nos é dado: eu sou eu... nós somos iguais...

Bem sei, ele teria direito - quando soubesse - de massacrar o homem com o ódio pelo que de pior um ser pode fazer a outro ser: adulterar-lhe a essência a fim de usá-lo.

Eu sou a favor de bicho: tomo o partido das vítimas do amor ruim.

Mas imploro a esse quati que perdoe com bondade o homem. E que o perdoe com muito amor. Antes de abandoná-lo para sempre, é claro."


A Clarissa, que, uma vez, me mandou um conto de Caio Fernando sobre dragões, um conto que, pra mim, tem uma ponte com o texto aí de cima.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Lua minguante

Uma tapioca
Lua minguante
Entre minhas mãos

terça-feira, 2 de junho de 2009

Desvanecimento

Vi as tatuagens irem, progressivamente, perdendo a cor. Irem perdendo a cor até desaparecerem, sem deixar vestígios. Foi então que soube que o mesmo estava por acontecer com as lembranças de que eu não mais precisava, com as lembranças que se haviam tornado supérfluas.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Alívio

- Vejo, daqui, olhos ... perplexos.

Respirei aliviada porque você falou 'olhos perplexos', e não 'tristes'. Não me senti a descoberto.

domingo, 31 de maio de 2009

Futuro

- É a coisa mais horrível do mundo dizer que o Brasil é o país do futuro - falou. E completou: - é, porque o futuro nunca chega.

Não tive vontade de responder nada. Só lembrei, em silêncio, de um personagem de um livro que li, personagem esse que dizia que o futuro serve pra gente construir o presente. Pra construir o presente, disse a mim mesma.

sábado, 30 de maio de 2009

Janela

Falar em portas me fez lembrar de janelas...



Caminho

Ela finalmente encontrara a janela
A janela que estava longe de ser um ombro
Onde repousar a cabeça para dormir
Para esquecer
O azedo

Sim. Daquela vez, a janela era libertação
Deixava de ser símbolo de conformismo
De tábua
(Embora não de salvação)

É verdade
Nunca uma janela fora tábua de salvação para ela
Haviam sido, antes, encosto, dando um pouco mais de fôlego
Ou melhor, apenas um pouco mais de ar
Para prolongar os suspiros

Só que, daquela vez, bem, daquela vez a janela não era exatamente uma janela
Isso é, a janela, embora janela, foi compreendida por ela como uma porta
Uma porta que se abriu devagarzinho, deixando entrever uma fresta
A fresta por onde ela iria passar