domingo, 20 de setembro de 2009

Pertencer II

Tava com um post em mente quando, ontem pela manhã, abri minha caixa de entrada de e-mails e dei de cara com um e-mail de uma amiga, um e-mail lindo, que, de brinde, me trouxe uma carta escrita por Caio Fernando Abreu pra uma amiga e que consta em um livro que a minha amiga tá lendo: Caio Fernando Abreu: Cartas.

A certa altura da leitura da carta (na verdade, quando Caio Fernando escreve: "Você pergunta: 'todos os vernizes descascam?' Eu acho que para quem tiver a coragem de deixar descascar, sim."), lembrei do meu último post, o que me fez ter vontade de compartilhar parte da tal carta com vocês, compartilhar como minha amiga compartilhou comigo.

Ele diz:


"Você pergunta: 'todos os vernizes descascam?' Eu acho que para quem tiver a coragem de deixar descascar, sim. E isso é bom. Além da nossa condição de insetos (menos, protozoários) na superfície de uma bolinha azul imensa perdida e ferida no infinito originário de um suspeito - e incompreensível - big bang, além do nosso medo IMENSO dessa condição de pena também IMENSA que brota pelo humano, vai restar sempre O MISTÉRIO. Que eu posso chamar de Deus, de runas, de Buda, Tarot, Oxalá, qualquer coisa assim meio trans.

E a gente crê - como eu creio, e essa crença não é intelectual, ao contrário, é totalmente irracional, instintiva, muito mais funda que o pensamento discursivo - nesse MISTÉRIO, suponho que a gente esteja "salvo". Salvo do medo, do terror, da loucura, do suicídio, do homicídio, do alcoolismo desesperado (que já provei também).

Anotar na agenda mental: reler Fernando Pessoa, principalmente Alberto Caeiro (em anexo, poema de Ricardo Reis); re-ouvir Terra de Caetano; reler aqueles poemas zen póstumos de Cecília Meireles. Ou não reler nem ouvir nada. Pegar as pedras fortemente e apertá-las contra o peito, comprimir a cabeça e o corpo inteiro contra as árvores, pisar descalço na terra, colocar balas e doces (sempre em número ímpar) ao pé das árvores grandes para os duendes e devas e erês comerem e ficarem teus amigos, deixar na cabeceira da cama toda noite copos de água com açúcar para as fadas virem beber de madrugada. Acender velas para chamar Luz, jogar rosas amarelas nas águas dos rios para Oxum. Coisas assim: ritualizar, para dialogar com O Mistério. Para que ele te/nos proteja. Coisas claras, panos brancos, incensos e flores. Purificar, purificar o que na essência da nossa condição humana é pura e medonha treva de desconhecimento de todos os porquês."


A Marina, que fez minha manhã mais bonita. :)

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