segunda-feira, 27 de abril de 2009

Cabelo II

A postagem de ontem me fez lembrar de um rabisco antigo. Diz assim:


Corto todo o meu cabelo. Eu, sozinha. Corto-o em silêncio. É um ritual. Ninguém me vê. Somos apenas a tesoura e eu e os cabelos que pela cama vão se espalhando. A porta está fechada e eu estou sublime. Agora, agora que já comecei, percebo que isso não é uma passagem. Ao contrário. É uma volta à origem, à minha origem primeira.

Os pedaços que corto são pequenos. Dois, três centímetros no máximo. Mas eu quero que seja assim. Quero que tudo se passe devagar. Estou suspensa no tempo. Ao meu redor, os pedaços de cabelo vão formando um círculo conforme caem. Algo se cria entre eles e eu. Algo que nunca existiu, mas necessário para que, depois, eu possa abandoná-los.

Em verdade, eles nunca foram meus. Como tu. Mas também no teu caso eu preciso fazer real o elo que o meu pensamento acredita existir. Só então poderás partir. Após me teres ensinado o caminho que é capaz de se fazer depois de ti. Perdão.

O último pedaço de cabelo cai. Percebo que eles são bonitos. Ganharam vida ao cair no chão da minha cama. Não sorrio, não choro, estou suspensa do meu eu de há pouco. Volto ao lugar de onde me havia perdido. Apanho um tubo de cola. Serenamente, recolho algumas canetas, ponho-as sobre a cama e, uma a uma, revisto-as com os cabelos que, pacíficos, não reagem ao toque dos meus dedos.

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