quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
Conselho
Pra que não exploda
Abrir a panela
Pra lembrar de abrir a porta
E jogar o lixo fora
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
Ajuda
Eu trisco pensando ser a porta tua
Eu trisco em uma porta da tua rua
Trisco e corro
Por medo do detrás da porta tua
Eu trisco em uma porta da tua rua
Trisco e me viro
Pra assim apagar o triscar na porta tua
Eu trisco em uma porta da tua rua
E tu, me acudindo, ergues minha mão pra que eu trisque na lua
sábado, 26 de dezembro de 2009
Transbordamento
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Hora
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
domingo, 20 de dezembro de 2009
Breve
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Luz
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
sábado, 12 de dezembro de 2009
Conselho
(Não é o espírito natalino não, mas eu, finalmente, começo a tentar)
Aprender a ser maleável. Como diria Luaní, plantando bananeiras.
Aprender a ser maleável. Porque dormindo, só com isso, todos sabemos, a dor não passa.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
Revoada
Quando o corpo quer ficar
Toda alma de artista quer partir
Arte de deixar algum lugar
Quando não se tem pra onde ir"
Chico Buarque
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Solução II
domingo, 6 de dezembro de 2009
inversão
para as mãos criarem raízes
e os pés se tornarem sutis
o suficiente para tocar o céu
sem machucar as nuvens
sábado, 5 de dezembro de 2009
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Mudez
Um piano solitário num canto de sala. Mudo. É guardar um pouco de morte em casa. É guardar muito de tristeza.
Crença
(Pablo Neruda, Confieso que he vivido)
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
aprendizagem
Aprender a sonhar é uma delas. Porque o sonho é sempre a forma mais bela da sobrevivência.
e graças a isso consegui sobreviver às catástrofes naturais"
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Ciclo
Em qualquer parte da Terra
um homem estará sempre plantando,
recriando a Vida.
Recomeçando o Mundo.
(...)"
(Cora Coralina, Poema do Milho)
domingo, 29 de novembro de 2009
Oxidação
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Ajuda
****
Escrevo e lembro de Zeca Baleiro cantando "a depender de mim, os analistas estão mortos. Sou eu quem trata [não lembro] com aspirina, [não lembro] e com cachaça..."
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
cartas
Paisagem
Tentei escrever
Tentei mas o que escrevi foram uns versos
Sobre a chuva
A chuva que sempre vem
Limpar a paisagem
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Vulnerabilidade
Eu disse
Mas engano meu
A tarde só se encerra pela mesma razão
O crepúsculo
A tarde não é suscetível
Digo e engano-me de novo
A tarde é sim suscetível
Como a gente
Ou talvez nós
Sejamos suscetíveis como a tarde
Como a tarde suscetíveis
À chuva
sábado, 21 de novembro de 2009
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Necessidade
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
anônima
finalmente encontrara o seu abrigo, o seu refúgio. ela mesma. e o anonimato que só o desconhecido podia lhe dar.
Concha
sábado, 14 de novembro de 2009
Risco
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
terça-feira, 10 de novembro de 2009
a derrota da esperança
A vida derrotada
E o que me sobra?
Um aperto no peito,
um cansaço infindo
e a saudade do que não foi
sábado, 7 de novembro de 2009
Da série "Tão legal que dá vontade de dividir"
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Ritual
Após tudo terminado, respira aliviada. Aliviada por saber que, diferentemente de si, o álcool não tem memória, razão por que o que nele se dissolve, na verdade, nunca existiu.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
domingo, 1 de novembro de 2009
melindres do tempo
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
terça-feira, 27 de outubro de 2009
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Tentativa
sábado, 24 de outubro de 2009
Céu
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
A revolução através do amor
"O amoe me levantou no ar e me sacudiu e me revolveu inteira. Fiquei fulgurante em meio dessa mudança que me revolucionou. A revolução através do amor."
Lygia Fagundes Telles
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
domingo, 18 de outubro de 2009
Baús
Não demorou pra ela perceber que a ideia que tinha nunca funcionaria efetivamente. Foi então que passou a fazer dos homens sua zona abissal, passou a confiar a cada um o que não queria nem devia carregar. Mas os homens foram naufragando. E ela nunca soube o porquê. Apenas, por respeito aos tesouros naufragados, evitava se banhar nas águas do mar.
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
espanhol
Escrever
- Não? Qual é a diferença?
- É exactamente o oposto. Escrever é usar as palavras que se guardaram: se tu falares de mais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer."
(Miguel Sousa Tavares, No teu deserto)
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Revelação
(Atiq Rahimi, Syngué sabour, Pedra-de-paciência)
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
domingo, 11 de outubro de 2009
Solidão
Ontem vi essa foto aí de cima (chama 'Solidão' e é de um trabalho de Iberê Camargo) e, algum tempo depois, rabisquei no celular: "solidão é não precisar". Rabisquei mas fiquei com a sensação de que já tinha visto essa frase antes. Agora, checando no google, descobri (na verdade, lembrei, né?) que é de Clarice (Lispector). Seja como for, porém, essa frase nunca tinha feito tanto sentido pra mim. Sim, "solidão é não precisar".
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
Da série "Tão legal que dá vontade de dividir"
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Bichos
Sempre me pareceu engraçada a mania de volta e meia perguntar que bicho o outro gostaria de ser. Talvez por eu nunca ter de fato desejado ser bicho. Mas exatamente porque eu não tinha resposta, exatamente por isso, punha-me a pensar. Sentia-me desconfortável por não saber, uma vez que a impressão que as pessoas me passavam era que isso era algo evidente, uma espécie de determinação a priori (“Bem, eu sou uma pessoa, mas, se assim não fosse, certamente seria um colibri.”).
Na busca por satisfazer a curiosidade alheia, eu empenhava-me em refletir. O primeiro bicho que me recordo haver julgado que gostaria de ser foi um cavalo. Naquela época, era criança. Acho que, imersa em minha ingenuidade infantil, me encantava com o porte e com a aparente liberdade dos cavalos. Hoje, entretanto, vejo que a liberdade dos cavalos é igual à que, nesta altura da vida, tenho. E sei que não posso ser completamente livre porque minha liberdade não depende apenas de mim, assim como o cavalo, que não poderá correr selvagemente se o seu dono não o deixar solto. Mas quem sabe é por isso, por não poder contar com a liberdade todo o tempo, que, quando com ela se depara, o cavalo corre tão belamente.
Depois de desistir do cavalo, escolhi o beija-flor. Queria apossar-me da meiguice e da serenidade que me transmitia aquela ave. Queria a placidez que penso não querer mais. Queria pousar em todos os lugares e não ser de lugar algum para não ter passado e, assim, poder ter uma mente sem lembranças. (Um beija-flor pousa em minha janela/ E, imóvel, contempla minha tristeza/ Ah!, quisera eu ser beija-flor/ Para pelo mundo voar/ Para minhas asas estender sobre o mar/ E o horizonte alcançar/ Quisera eu partir e a tudo deixar/ Em busca de um novo habitat/ Mas o beija-flor, o beija-flor, à procura de outras paisagens segue/ Só eu continuo a chorar).
Hoje acho que escolheria ser uma galinha. Principalmente por causa de Clarice (Lispector). Na verdade, imagino que ela escolheria ser uma galinha, mas não sei se ela me pensaria capaz do mesmo. Quero acreditar que sim.
Escolher ser uma galinha é optar pelo bicho talvez mais humano dentre os bichos. É declarar amor à condição humana, um amor clariceano, fundamental para que se possa ser homem verdadeiramente. A galinha, tal qual o homem, não voa, embora alguns tentem, e aí está sua trágica beleza.
Porco não gostaria de ser. Não pelo porco em si, mas porque ouvi falar que os porcos não conseguem olhar para cima. Não são capazes de ver as nuvens e isso me soa bastante triste. É verdade que as galinhas não podem alcançar as nuvens. Apenas olhá-las, todavia, e ficar a tentar adivinhar com que seu formato se parece é, por vezes, suficiente, já que é meditação que traz de volta a serenidade quando dela mais se precisa.
Também não gostaria de ser leão. Não quero ser rei, nem herói. Não tenho necessidade de ver meu nome escrito nos livros de história. É um preço por demais caro - abdicar da vida para ser herói. Não preciso disso. Não quero isso. “Quero é ser apenas uma semente.” Quero é ser pulsante. Só assim poderei tocar o âmago da minha humanidade.
Não mais cavalo. Não mais beija-flor. Em tempo algum, leão. Em tempo algum, porco. Peixe talvez, ou melhor, não, na sua quietude, ele está bastante distante dos homens. Enfim, galinha, com quem os homens aprenderam a ciscar, remexendo o solo do coração, à procura de alimento.
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Unidade
A Mercedes Sosa, que soube fazer o universo melhor. Que ela nos inspire.
domingo, 4 de outubro de 2009
sábado, 3 de outubro de 2009
roupas velhas
mas por afeição ao tempo que passou
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Dança
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Pintura
Como os índios
Na impossibilidade de pintar
A vida
Pintar o corpo
Para que do corpo a tinta escorra
E pinte a vida
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Para celebrar a vida
MADRIGAL MELANCÓLICA
Manuel Bandeira
O que eu adoro em ti
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza
O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas
O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz
O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza
O que adoro em ti lastima-me e consola-me
O que eu adoro em ti é a vida.
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Tempo
Do pó
Só existe o fora
O externo
Ao pó
Por isso
O pó não tem
Tempo
O pó não sabe
O que é
Tempo
É, o pó é atemporal
Ele condensa a magia
Do ser
Simplesmente
Sem futuro
Ou passado
O pó apenas é
E só
domingo, 27 de setembro de 2009
sábado, 26 de setembro de 2009
Da série "Tão legal que dá vontade de dividir"
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Porque a primavera chegou
A imagem aí de cima é pra celebrar a primavera, que começou ontem.
Que ela esteja também dentro da gente. Por tempo suficiente pra que a gente possa compreender melhor a vida, compreender melhor de forma a passar pelo próximo inverno melhor do que passamos pelo inverno passado. Pra sem muito sofrer, sobreviver ao próximo inverno.
(A foto é de um trabalho de Jaime Tarazona)
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Una terrorista amorosa
Por fin un día se decidió a partir. Me rogó que la acompañara hasta el barco. Cuando éste estaba por salir y yo debia abandonarlo, se desprendió de sus acompañantes y, besándome en un arrebato de dolor y amor, me llenó la cara de lágrimas. Como en un rito me besaba los brazos, el traje y, de pronto, bajó hasta mis zapatos, sin que yo pudiera evitarlo. Cuándo se alzó de nuevo, su rostro estaba enharinado con la tiza de mis zapatos blancos. No podía pedirle que desistiera del viaje, que abandonara conmigo el barco que se la llevaba para siempre. La razón me lo impedía, pero mi corazón adquiríó allí una cicatriz que no se ha borrado. Aquel dolor turbulento, aquellas lágrimas terribles rodando sobre el rostro enharinado, continúan en mi memoria."
(Pablo Neruda, Confieso que he vivido)
domingo, 20 de setembro de 2009
Pertencer II
A certa altura da leitura da carta (na verdade, quando Caio Fernando escreve: "Você pergunta: 'todos os vernizes descascam?' Eu acho que para quem tiver a coragem de deixar descascar, sim."), lembrei do meu último post, o que me fez ter vontade de compartilhar parte da tal carta com vocês, compartilhar como minha amiga compartilhou comigo.
Ele diz:
"Você pergunta: 'todos os vernizes descascam?' Eu acho que para quem tiver a coragem de deixar descascar, sim. E isso é bom. Além da nossa condição de insetos (menos, protozoários) na superfície de uma bolinha azul imensa perdida e ferida no infinito originário de um suspeito - e incompreensível - big bang, além do nosso medo IMENSO dessa condição de pena também IMENSA que brota pelo humano, vai restar sempre O MISTÉRIO. Que eu posso chamar de Deus, de runas, de Buda, Tarot, Oxalá, qualquer coisa assim meio trans.
E a gente crê - como eu creio, e essa crença não é intelectual, ao contrário, é totalmente irracional, instintiva, muito mais funda que o pensamento discursivo - nesse MISTÉRIO, suponho que a gente esteja "salvo". Salvo do medo, do terror, da loucura, do suicídio, do homicídio, do alcoolismo desesperado (que já provei também).
Anotar na agenda mental: reler Fernando Pessoa, principalmente Alberto Caeiro (em anexo, poema de Ricardo Reis); re-ouvir Terra de Caetano; reler aqueles poemas zen póstumos de Cecília Meireles. Ou não reler nem ouvir nada. Pegar as pedras fortemente e apertá-las contra o peito, comprimir a cabeça e o corpo inteiro contra as árvores, pisar descalço na terra, colocar balas e doces (sempre em número ímpar) ao pé das árvores grandes para os duendes e devas e erês comerem e ficarem teus amigos, deixar na cabeceira da cama toda noite copos de água com açúcar para as fadas virem beber de madrugada. Acender velas para chamar Luz, jogar rosas amarelas nas águas dos rios para Oxum. Coisas assim: ritualizar, para dialogar com O Mistério. Para que ele te/nos proteja. Coisas claras, panos brancos, incensos e flores. Purificar, purificar o que na essência da nossa condição humana é pura e medonha treva de desconhecimento de todos os porquês."
A Marina, que fez minha manhã mais bonita. :)
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
Canção
À letra, então, né?:
"Canção para um grande amor
Composição: Isabella Taviani
Mas agora vai
Deixa o vento te seduzir
Deixa o novo sonho te invadir
E não volte nunca mais aqui pra me esperar
Agora vai
Lança teu destino em outro mar
Não recues nunca pra ancorar
Nunca pra duvidar
Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos
Mas agora vai
Porque há vida em outra dimensão
Porque há paz no outro coração
Por que com a gente não!
Por que com a gente não?
Agora vai
Buscar os novos horizontes
Pousar no colo de outros ombros
Saciar a sede do teu corpo louco
Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos
Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos
Vai pra sempre vai
Ser feliz é uma estrada sem fim
Tens a força que eu nunca atingi
Tens a dor mas ainda sei que tens a mim
Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos
Deixa o sol queimar a tua pele
Deixa o céu forrar a tua cama
Deixa amanhecer tua chama, teus desejos
Deixa o sol queimar a tua pele
O céu forrar a tua cama
Tua chama, teus desejos
Deixa o sol queimar a tua pele ..."
sábado, 12 de setembro de 2009
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
direito fundamental
- para execermos a liberdade -
a uma árvore frutífera na porta de casa
- para lembrar a força da terra -
a ter um céu com estrelas ou lua
- para alargar os horizontes -
a dar boas risadas, a tomar banho de chuva,
a chorar sem motivo, a ter bons amigos,
a ter tempo livro, a ler um livro de poesias...
são esses os meus desejos pra Carol hoje e sempre.
"Who I have become"
Lembrei desse cartão que vi, uma vez, no postsecret (www.postscret.com) e fiquei com vontade de postar aqui. Fiquei com vontade porque o acho fofo e poético (por causa da flor, que, pra mim, é uma metáfora das coisas boas que surgem).
Que sejamos sempre capazes de nos transformarmos, mas de nos transformarmos de um modo que, a cada dia, gostemos mais de nós mesmos. Esta é a minha oração pra o dia de hoje. :)
terça-feira, 8 de setembro de 2009
Viva
Antes de chorar
Pra mostrar que não se rende
Não, o choro dela não quer ser um armistício
O choro dela só quer fazer com que se sinta viva
Com que se sinta, por um momento, viva
E não uma pedra
domingo, 6 de setembro de 2009
Relatividade II
Dizia Neruda:
"Esperé largo tiempo, solo, con el corazón acongojado por la oscuridad intensa de la noche extranjera. Iba a morir sin que nadie lo supiera! Tan lejos de mi pequeño país amado! Tan separado de todos mis amores y de mis libros!
De pronto apareció una luz e otra luz. El camino se llenó de luces. Sonó un tambor; estallaron las notas estridentes de la música camboyana. Flautas, tamboriles y antorchas llenaron de claridades y sonidos el camino. Subió un hombre que me dijo en inglés:
- El autobús ha sufrido un desperfecto. Como será larga la espera, tal vez hasta el amanecer, y no hay aquí dónde dormir, los pasajeros han ido a buscar una troupe de músicos y bailarines para que usted se entretenga.
Durante horas, bajo aquellos árboles que ya no me amenazaban, presencié las maravillosas danzas rituales de una noble y antigua cultura y escuché hasta que salió el sol la deliciosa música que invadia el camino.
El poeta no puede temer el pueblo. Me pareció que la vida me hacía una advertencia y me enseñaba para siempre una lección: la lección del honor escondido, de la fraternidad que no conocemos, de la beleza que florece en la oscuridad."
sábado, 5 de setembro de 2009
tarde no parque
carícia
os olhos pousam no céu
azul
os ares carregam o cheiro sutil
liberdade!
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
setembro
me lembram que setembro chegou
e com ele trouxe os dias de felicidade ensolarada
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
Relatividade
(Escrevo o texto aí de cima e lembro de um livro de Mia Couto que li certa vez e que falava sobre a possibilidade de, se não estou enganada, encontrar a luz que brota na escuridão.
A Luaní, que, outro dia, me emprestou um livro de Mia Couto)
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
Meio da tarde
domingo, 30 de agosto de 2009
Garças
Não, não era domingo, mas, por algum motivo que, agora, me foge, penso que garças têm cara de domingo, penso e posto a foto aí de baixo aqui, foto essa da capa de um livro de Alice Melvin chamado Counting Birds.
(Talvez ache que garças têm cara de domingo porque penso que os domingos são feitos para deslizarmos sobre eles, não para corrermos)
sábado, 29 de agosto de 2009
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
Pressa
Digo a mim mesma que correr não faz parte da natureza dos cachorros.
Mas e da natureza dos homens, faz parte?
pequena explicação
Essas coisas da vida.
ps: ah! apesar da falta de talento da enfermeira, o paciente está bem. cada vez melhor.
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Amanhã
Vejo essa imagem e lembro de algo que li em "A elegância do ouriço", de Muriel Barbery. Diz assim: "se tememos o amanhã, é porque não sabemos contruir o presente e, quando não sabemos contruir o presente, contamos que amanhã saberemos e nos ferramos, porque amanhã acaba sempre por se tornar hoje, não é mesmo? (...) é agora que importa: construir agora, alguma coisa, a qualquer preço, com todas as nossas forças. (...) nos superarmos a cada dia, para tornar cada dia imperecível. Escalar passo a passo nosso próprio Everest e fazê-lo de tal modo que cada passo seja um pouco de eternidade. O futuro serve para isto: para construir o presente".
(Engraçado: acho 'amanhã' uma palavra que soa literária, ao passo que 'futuro' me parece tão científica, tão tecnológica. Por isso, este post se chama 'amanhã', e não 'futuro')
Ah!, a imagem aí de cima é de um trabalho de Markus Leitsch, chamado, como não poderia deixar de ser, "Gone tomorrow".
sábado, 22 de agosto de 2009
Não
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Jardim
Agora, lendo uma entrevista de Zygmunt Bauman à Cult (sim, a revista), essa questão me voltou à cabeça por causa de uma resposta que transcrevo a seguir:
"Cult - Por que se fala tanto hoje de 'fim das utopias'?
Bauman - Na era pré-moderna, a metáfora que simboliza a presença humana é a do caçador. A principal tarefa do caçador é defender os terrenos de sua ação de toda e qualquer interferência humana, a fim de defender e preservar, por assim dizer, o 'equilíbrio natural'. A ação do caçador repousa sobre a crença de que as coisas estão no seu melhor estágio quando não estão com reparos; de que o mundo é um sistema divino em que cada criatura tem seu lugar legítimo e funcional; e de que mesmo os seres humanos têm habilidades mentais demasiado limitadas para compreender a sabedoria e harmonia da concepção de Deus.
Já no mundo moderno, a metáfora da humanidade é a do jardineiro. O jardineiro não assume que não haveria ordem no mundo, mas que ela depende da constante atenção e esforço de cada um. Os jardineiros sabem bem que tipos de plantas devem e não devem crescer e que tudo está sob seus cuidados. Ele trabalha primeiramente com um arranjo feito em sua cabeça e depois o realiza. Ele força a sua concepção prévia, o seu enredo, incentivando o crescimento de certos tipos de plantas e destruindo aquelas que não são desejáveis, as ervas 'daninhas'. É do jardineiro que tendem a sair os mais fervorosos produtores de utopias. Se ouvimos discursos que pregam o fim das utopias, é porque o jardineiro está sendo trocado, novamente, pela ideia do caçador."
terça-feira, 18 de agosto de 2009
Tempo
Amar o tempo
Que poderia estar sendo
Amar o tempo
Que o é em pensamento
Amar o tempo secreto
O tempo desejo
Interior
Amar o tempo
Que poderia ser
Que é, ainda que tempo-não tempo,
Ainda que tempo perdido, naquilo que não se fez
Amar o tempo que é
Por mais que nunca tenha sido
Por mais que nunca venha a ser
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
domingo, 16 de agosto de 2009
Sobre concretizações (e perdas(?))
Não quero pensar sobre qual é mais importante, porque, por vezes, essa ponderação simplesmente não cabe, e não cabe por ter uma coisa natureza tão distinta e importância tão distinta da outra coisa. Mas não consigo deixar de pensar que, se o advento de algo implica, necessariamente, a perda de outro algo, talvez seja porque esse outro algo, na verdade, nunca foi nosso (por mais que tenha sido).
sábado, 15 de agosto de 2009
do amor
Ela desdenha.
E cortante, diz:
"Como ama se não olhas as estrelas?"
Tenho que concordar com ela.
O amor não combina com a pressa.
O amor é bicho preguiçoso...
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Rosa
Uma rosa para mitigar a solidão do asfalto
Rosa ainda em botão
Que só brotaria ao colher a lágrima solitária
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Pra perder o medo
"Estender o sol na varanda até queimar
só pra não ter mais nada a perder
pra perder o medo, mudar de céu, mudar de ar
clarear de vez Lumiar"
terça-feira, 11 de agosto de 2009
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Pra começar a semana
domingo, 9 de agosto de 2009
sábado, 8 de agosto de 2009
Poema de Yeats
E cochilando perto do fogo, pegue este livro,
E leia lentamente, e sonhe com o olhar suave
Que seus olhos um dia tiveram, e com a profundidade de suas sombras;
Quantos amaram seus momentos de radioso encanto,
E amaram sua beleza com falso ou verdadeiro amor,
Mas um homem amou a alma peregrina em você,
E amou as mágoas do seu rosto cambiante."
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
Desabar sobre os homens
E cantei:
"Menina, amanhã de manhã
quando a gente acordar
quero te dizer
que a felicidade vai
desabar sobre os homens
Na hora ninguém escapa
debaixo da cama
ninguém se esconde
a felicidade vai
desabar sobre os homens"
(Tom Zé)
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Frase de Carpinejar
Lembrarei dessa sugestão a partir de agora. Lembrem vocês também, se possível. :)
terça-feira, 4 de agosto de 2009
Bonsai
Ele deve ter imaginado que ela gostaria de um bonsai. Sim, porque ela nunca havia falado nada a respeito. Mesmo nunca tendo falado nada, porém, talvez por sempre ter dito pra si mesma que, no dia em que montasse a própria casa, teria um bonsai, ela não esqueceu daquela frase.
Hoje, ela queria ter esquecido. É que, se tivesse esquecido, hoje ela poderia ter um bonsai. Não, ela não pode mais. Por quê? Porque os bonsais a remetem a ele, ele que se transformou em uma lembrança indesejada (indesejada porque ela acha que ele não foi nada legal com ela). Mas, ainda que ela pense que não mais deve ter um bonsai em casa, seus olhos continuam a apreciar a beleza dos bonsais. É por isso que, agora, ela dá bonsais de presente, ela dá o que ela não mais pode ter.
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
Laranja
Hoje: par de óculos laranjas. Pra ver o mundo sempre amanhecendo.
"Impressionista
Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo."
(Adélia Prado)
domingo, 2 de agosto de 2009
sexta-feira, 31 de julho de 2009
Sobre doces e tristeza e prazer
****
"Não tinham andado muito, quando viram a Tartaruga Falsa à distância, sentada triste e solitária numa pequena saliência de rocha, e, quando chegaram mais perto, Alice a ouviu suspirar como se o coração fosse se partir aos pedaços. Sentiu muita pena dela? "Qual é a sua tristeza?", perguntou ao Grifo. E o Grifo respondeu, mais ou menos com as mesmas palavras de antes: "É tudo fantasia dela, ela não tem nenhuma tristeza. Vamos!'"
****
"(...) ela se compadeceria de suas tristezas simples e encontraria prazer em todas as suas alegrias simples, lembrando-se da sua própria infância e dos dias felizes de verão."
(Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas)
quinta-feira, 30 de julho de 2009
Todo o sentimento
Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente.
Preciso conduzir
Um tempo de te amar,
Te amando devagar e urgentemente.
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez,
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez.
Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente...
Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.
Depois de te perder,
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.
(chico buarque)
Dança
"Disse a branquinha ao caracol: "Vê se apressa esse passo!
Pisam na minha cauda, há um delfim em nosso encalço."
Lagostas e tartarugas, ansiosas, avançam!
Esperam entre os seixos - você vai entrar na dança?
Não vai, vai, não vai, você vai entrar na dança?
Vai, não vai, vai, você não vai entrar na dança?
"É tão delicioso, você nem pode imaginar,
Quando nos atiram, com as lagostas, para o mar!"
Mas, disse o caracol, "Longe demais", sem confiança...
Ficava muito grato, mas não ia entrar na dança.
Não, não podia, não, não ia entrar na dança.
Não, não ia, não, não podia entrar na dança.
"Longe? Mas e daí?", respondeu a amiga escamada.
"Você bem sabe que existem praias do outro lado.
Se longe da Inglaterra, muito mais perto da França...
Meu caro, não tenha medo, trate de entrar na dança.
Não vai, vai, não vai, você vai entrar na dança?
Vai, não vai, vai, você não vai entrar na dança?'"
(Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas)
quarta-feira, 29 de julho de 2009
leveza
Este haikai é de um livro de Alice Ruiz e Maria Valéria Rezende só de haikais voltado para o público infantil. Quer dizer, também para crianças.
terça-feira, 28 de julho de 2009
Amizade
Celebração
Meu chá não é acompanhado por torradas
Mas por cream cracker
Cream cracker que como de pé
Na cozinha, enquanto olho a lua
Nesses momentos, meu coração celebra, silenciosamente, o que não foi
Sem mágoa
Apenas recordações
De desejos deixados de lado
De desejos que deram espaço
A outros
segunda-feira, 27 de julho de 2009
Sonhos
Dias depois, na sexta, assistindo a "As pontes de Madison", uma outra fala também sobre sonhos me chamou a atenção. Dizia mais ou menos assim: Os sonhos que não se concretizaram ficaram pra trás, mas que bom que, por algum tempo, eu os tive comigo.
Que bom!, porque, com os sonhos, dá pra fazer um arco-íris.
sobre homens e mulheres
Não sou muito afeita a divisões maniqueístas entre mulheres e homens, mas não pude deixar de achar esses resultados bem representativos do ponto de vista inicial de ver o mundo do homem e da mulher.... E quando falo isso não estou de modo algum dizendo que é bom sempre partir de si ou do outro. Acho que nas duas situações o excesso é péssimo.
Alice deve ter chegado a alguma conclusão parecida e em função disso fez um poema, posteriormente musicado em que ela decide tirar "você" do dicionário.
"Eu vou tirar do dicionário
A palavra você
Vou trocá-la em miúdos
Mudar meu vocabulário
E no seu lugar
Vou colocar outro absurdo
Eu vou tirar suas impressões digitais
Da minha pele
Tirar seu cheiro
Dos meus lençóis
O seu rosto do meu gosto
Eu vou tirar você de letra
Nem que tenha que inventar
Outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
Com quantos "nãos" se faz um sim
Eu vou tirar o sentimento
Do meu pensamento
Sua imagem e semelhança
Vou parar o movimento
A qualquer momento
Procurar outra lembrança
Eu vou tirar, vou limar de vez sua voz
Dos meus ouvidos
Eu vou tirar você e eu de nós
O dito pelo não tido
Eu vou tirar você de letra
Nem que tenha que inventar
Outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
Com quantos "nãos" se faz um sim"
domingo, 26 de julho de 2009
Domingo
sábado, 25 de julho de 2009
Tempo
"Se você conhecesse o Tempo como eu conheço", disse o Chapeleiro, "não falaria em desperdiçá-lo como se fosse uma coisa. É um senhor."
"Não entendo o que você quer dizer", disse Alice.
"Claro que não entende", disse o Chapeleiro, atirando a cabeça desdenhosamente para trás. "Acho que você nunca sequer falou com o Tempo!"
"Talvez não", respondeu Alice cautelosamente, "mas sei que tenho de bater o tempo, quando estudo música."
"Ah! Isso explica tudo", disse o Chapeleiro. "Ele não suporta ser batido. Agora, se você mantivesse boas relações com o Tempo, ele faria quase tudo o que você quisesse com o relógio. Por exemplo, vamos supor que fossem nove da manhã, bem na hora de começarem as aulas. Você só teria de sussurrar uma dica para o Tempo, e o ponteiro giraria num piscar de olhos! Uma e meia, hora do almoço!"
("Como gostaria que fosse", disse a Lebre de Março para si mesma num sussurro.)
"Seria maravilhoso, certamente", disse Alice pensativa, "só que ... eu não estaria com fome."
"A princípio, talvez não", disse o Chapeleiro, "mas você poderia manter o relógio marcando uma e meia por quanto tempo quisesse."
"É assim que você faz?", perguntou Alice?
O Chapeleiro sacudiu a cabeça tristemente. "Não!", respondeu. "Brigamos no mês de março passado ... pouco antes de ela ficar louca, sabe..." (apontando com a colherinha para a Lebre de Março) "... foi no grande concerto dado pela Rainha de Copas, e eu tinha de cantar
'Pisque, pisque, morceguinho!'
O que faz aí sozinho?'
Você talvez conheça a canção."
"Já escutei algo parecido", disse Alice.
"Continua", disse o Chapeleiro, "da seguinte maneira:
'Sobre o mundo voa ao léu,
Bandeja de chá no céu.
Pisque, pisque...' "
Nesse momento, o Arganaz se sacudiu e começou a cantar dormindo "Pisque, pisque, pisque, pisque...". E continuou a cantar por tanto tempo que tiveram que lhe dar um beliscão para fazê-lo parar."
(Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas)
sexta-feira, 24 de julho de 2009
Labirintos
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Imitação (ou Cerca elétrica II)
Isso tudo me faz lembrar de "O equilibrista" (sim, o documentário) e me leva a pensar que, talvez, Philippe Petit, o equilibrista que inspirou o filme, tenha, no fundo, caminhado da Torre Sul à Torre Norte do World Trade Center sobre um cabo de aço apenas pra se sentir um passarinho. É, um passarinho.
espairecer manoelino
pente funções de não pentear. Até que ele fique à
disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma."
***
"As coisas não querem mais ser vistas por pessoas
razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul -
Que nem uma criança que você olha de ave."
***
"Poesia é voar fora da asa"
Manoel de Barros (O livro das ignorãças)
quarta-feira, 22 de julho de 2009
Cerca elétrica
segunda-feira, 20 de julho de 2009
Mundo. E desmundo
Por muito tempo, eu achei que o meu mundo fosse "O mundo da lua", o mundo de Lucas Silva e Silva, mas, hoje, sei que não, sei que tenho o meu próprio mundo e tento me recordar sempre do caminho que a ele conduz. Sim, porque, por vezes, sei que vou me perder.
domingo, 19 de julho de 2009
Retorno
Mas gosto do retorno. De chegar ao meu aconchego. Onde todos os caminhos já foram percorridos. Até as paredes me reconhecem e me acolhem. O calor conhecido da cama. O cheiro sereno da casa. Que adentra meu peito e renova o sangue. Sou acolhida pela cidade. Me sinto num ninho por entre os braços do Capibaribe. As ruelas e as suas gentes. O cheiro nem tão agradável da cidade. O vento forte perto do cais. As chuvas desses dias julhinos que fazem subir o cheiro forte de terra. O cheiro de terra forte.
É bom pôr os pés em solo conhecido.
E já não há casa ou cidade. Não existem esses elementos distintamente. Há apenas uma casa-cidade
E a terra e as águas desta cidade me constituem.
E por isso só sou por inteiro aqui.
Realidade
(Zeca Baleiro, Brigitte Bardot)
Talvez seja isso a realidade: a alma, o que persiste dentro da gente, as coisas que a gente treina os olhos pra eles verem e a gente internalizar.
sábado, 18 de julho de 2009
Pasárgada
"Eu vou me mandar
Peguei meu jaleco
Nesse teu xaveco eu não caio mais
Eu vou me mandar, eu vou pra Cancun
Teu 171 não me pega mais"
(Zeca Baleiro, Débora)
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Ser
Estabilizador de humor
O meu sonífero
Meu antidepressivo
Ser tudo isso
Mas apenas ser
Sem ser demais
Sem ocupar espaço demais
Ser
Mas sem ser
Autossuficiente
Sem roubar espaço
A outras gentes
quinta-feira, 16 de julho de 2009
Imperativos
quarta-feira, 15 de julho de 2009
Luz
Porque sempre há alguma luz, algum verde, ainda que, por vezes, seja difícil de perceber. Alguma luz, mesmo que fora da nossa janela, mas luz ou verde que, de algum modo, adentra nossa janela. Porque a luz e o verde sempre se expandem.
Pra um amigo que anda precisando de luz.
Sim, a pintura aí de cima é da mineira Patrícia Leite.
terça-feira, 14 de julho de 2009
Reinvenção
A Luaní, que, hoje, completa anos e inicia, assim, um novo ciclo.
segunda-feira, 13 de julho de 2009
Pra começar a semana
Que vivamos!
(Mia Couto; Venenos de Deus, remédios do diabo)
sábado, 11 de julho de 2009
Porque
sexta-feira, 10 de julho de 2009
Cinza, vermelho e poesia
As suas leis, regras, etiquetas, teorias.
Os seus ternos, gravatas, saltos altos e maquiagens.
As suas máscaras ou armaduras ou armadilhas.
No direito é sempre inverno.
E os tons são de cinza.
De fato, não há poesia nas leis.
Talvez eu tenha escolhido o curso errado.
Talvez, tudo seja culpa do vermelho...
"Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação."
(Manuel Bandeira)
Frases de Mia Couto
"- Uma coisa aprendi na vida. Quem tem medo da infelicidade nunca chega a ser feliz."
"Todavia, o mar é o habilidoso desenhador de ausências" e isso, fiquei pensando, quando a gente deixa que certas memórias caiam na nossa zona abissal.
quinta-feira, 9 de julho de 2009
terça-feira, 7 de julho de 2009
Passar
E me chama
Quando vejo, já passou
Passou mas
Talvez sem saber
E talvez sem querer
Ou talvez sabendo
E talvez querendo
Me fez ver
É preciso aprender
A passar
Passar
E seguir viagem
Levando somente o canto
O canto que ensina
A passar
O canto que é canto
Pra anunciar
A chegada
E a despedida
Canto de todos
O mais perfeito
Canto que ensina
O desapego
Porque quem chega chega e começa
A partir
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Vida
"Vida
Composição: Indisponível
Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Deixei a fatia
Mais doce da vida
Na mesa dos homens
De vida vazia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz
Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Verti minha vida
Nos cantos, na pia
Na casa dos homens
De vida vadia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz
Luz, quero luz,
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
Com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, veia
E pulsa, pulsa, pulsa,
Pulsa, pulsa mais
Mais, quero mais
Nem que todos os barcos
Recolham ao cais
Que os faróis da costeira
Me lancem sinais
Arranca, vida
Estufa, vela
Me leva, leva longe
Longe, leva mais
Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Toquei na ferida
Nos nervos, nos fios
Nos olhos dos homens
De olhos sombrios
Mas, vida, ali
Eu sei que fui feliz"
domingo, 5 de julho de 2009
Partidas
Antes tinha medo das partidas, mas elas foram se tornando frequentes e fui conhecendo-as melhor. Fui conhecendo-as mais e mais, até, finalmente, ter confiança pra brincar com elas, sim, brincar, como fazem as crianças, com total entrega. E foi assim que as partidas se tornaram minhas amigas, amigas que me ajudam a fazer cafuné nos sonhos e a criar sonhos novos, necessários pra que eu continue a me sentir viva e pra renovar o brilho dos olhos.
Ontem, pensando na viagem de que falava logo no começo deste post, lembrei de um verso de (Manuel) Bandeira que a minha amiga que viaja hoje, uma vez, me mandou. Diz assim: "Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir". Na ocasião, ela me escreveu (compartilho porque sei que ela não se importará): "essas lições de partir são sonhos, meus sonhos. Pra mim, a partida da morte, não necessariamente, é a embalagem de madeira. Toda viagem, no fundo, é uma morte: uma morte que leva para uma vida. Uma vida que depois, mais cedo ou mais tarde, será morrida: será matada. Vamos partir. Par-tir." Sim, partir. Vamos partir.
sábado, 4 de julho de 2009
Dia cinzento
sexta-feira, 3 de julho de 2009
colecionador de nuvens
Nada
quarta-feira, 1 de julho de 2009
luz e silêncio
e da luz que adentra devagar
naqueles arredores do divino
silêncio e luz
penso que Deus seja assim
ando cultivando o silêncio
as angústias silenciaram
acalmo o coração
aqueço-o
num iluminado afago
com as exatas cores do vitral
a luz suave
e um calor-útero
aconchego
acho que é isso que chamam de paz.
eu chamo.
terça-feira, 30 de junho de 2009
A palo seco
1.1. Se diz a palo seco
o cante sem guitarra;
o cante sem; o cante;
o cante sem mais nada;
se diz a palo seco
a esse cante despido:
ao cante que se canta
sob o silêncio a pino.
1.2. O cante a palo seco
é o cante mais só:
é cantar num deserto
devassado de sol;
é o mesmo que cantar
num deserto sem sombra
em que a voz só dispõe
do que ela mesma ponha.
1.3. O cante a palo seco
é um cante desarmado:
só a lâmina da voz
sem a arma do braço;
que o cante a palo seco
sem tempero ou ajuda
tem de abrir o silêncio
com sua chama nua.
1.4. O cante a palo seco
não é um cante a esmo:
exige ser cantado
com todo o ser aberto;
é um cante que exige
o ser-se ao meio-dia,
que é quando a sombra foge
e não medra a magia.
2.1. O silêncio é um metal
de epiderme gelada,
sempre incapaz das ondas
imediatas da água;
a pele do silêncio
pouca coisa arrepia:
o cante a palo seco
de diamante precisa.
2.2. Ou o silêncio é pesado,
é um líquido denso,
que jamais colabora
nem ajuda com ecos;
mais bem, esmaga o cante
e afoga-o, se indefeso:
a palo seco é um cante
submarino ao silêncio.
2.3. Ou o silêncio é levíssimo,
é líquido sutil
que se coa nas frestas
que no cante sentiu;
o silêncio paciente
vagaroso se infiltra,
apodrecendo o cante
de dentro, pela espinha.
2.4. Ou o silêncio é uma tela
que difícil se rasga
e que quando se rasga
não demora rasgada;
quando a voz cessa, a tela
se apressa em se emendar:
tela que fosse de água,
ou como tela de ar.
3.1. A palo seco é o cante
de todos mais lacônico,
mesmo quando pareça
estirar-se um quilômetro:
enfrentar o silêncio
assim despido e pouco
tem de forçosamente
deixar mais curto o fôlego.
3.2. A palo seco é o cante
de grito mais extremo:
tem de subir mais alto
que onde sobe o silêncio;
é cantar contra a queda,
é um cante para cima,
em que se há de subir
cortando, e contra a fibra.
3.3. A palo seco é o cante
de caminhar mais lento:
por ser a contrapelo,
por ser a contravento;
é cante que caminha
com passo paciente:
tem a fibra de dente.
3.4. A palo seco é o cante
que mostra mais soberba;
e que não se oferece:
que se toma ou se deixa;
cante que não se enfeita,
que tanto se lhe dá;
é cante que não canta,
cante que aí está.
4.1. A palo seco canta
o pássaro sem bosque,
por exemplo: pousado
sobre um fio de cobre;
a palo seco canta
ainda melhor esse fio
quando sem qualquer pássaro
dá o seu assovio.
4.2. A palo seco cantam
a bigorna e o martelo,
o ferro sobre a pedra,
o ferro contra o ferro;
a palo seco canta
aquele outro ferreiro:
o pássaro araponga
que inventa o próprio ferro.
4.3. A palo seco existem
situações e objetos:
Graciliano Ramos,
desenho de arquiteto,
as paredes caiadas,
a elegância dos pregos,
a cidade de Córdoba,
o arame dos insetos.
4.4. Eis uns poucos exemplos
de ser a palo seco,
dos quais se retirar
higiene ou conselho:
não o de aceitar o seco
por resignadamente,
mas de empregar o seco
porque é mais contundente."
(João Cabral de Melo Neto)
"A Palo Seco
Composição: Belchior
Se você vier me perguntar por onde andei
No tempo em que você sonhava
De olhos abertos lhe direi
Amigo, eu me desesperava
Sei que assim falando pensas
Que esse desespero é moda em 73
Mas ando mesmo descontente
Desesperadamente eu grito em português
Tenho 25 anos de sonho e de sangue
E de América do Sul
Por força desse destino
O tango argentino me vai bem melhor que o blues
Sei que assim falando pensas
Que esse desespero é moda em 73
Eu quero que esse canto torto
Feito faca corte a carne de vocês"
segunda-feira, 29 de junho de 2009
domingo, 28 de junho de 2009
O vento e a janela (ou El viento y la ventana)
A casa
Adentra
Pela janela aberta
Mejor, por la ventana
O vento adentra
A janela abre-lhe
Caminho
A janela
Incapaz de negar-lhe
Passagem
Porque não se nega passagem
A um irmão
Sí, hermanos
El viento
Y la ventana
sábado, 27 de junho de 2009
Da série "Tão legal que dá vontade de dividir"
sexta-feira, 26 de junho de 2009
Arte
quinta-feira, 25 de junho de 2009
... Falando em sinais de trânsito
Composição: Paulinho da Viola
Olá, como vai?
Eu vou indo e você, tudo bem?
Tudo bem eu vou indo correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranquilo, quem sabe...
Quanto tempo... pois é...
Quanto tempo...
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
Oh! Não tem de quê
Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo talvez nos vejamos
Quem sabe?
Quanto tempo... pois é... (pois é... quanto tempo...)
Tanta coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge a lembrança
Por favor, telefone, eu preciso
Beber alguma coisa, rapidamente
Pra semana
O sinal...
Eu espero você
Vai abrir...
Por favor, não esqueça,
Adeus..."
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Necessidade
"Outro dia, um monge me disse:
- O local de descanso da mente é o coração. A única coisa que a mente escuta o dia
inteiro são sinos dobrando, barulho e discussão, e tudo que ela quer é tranquilidade. O único lugar em que a mente vai encontrar paz é dentro do silêncio do coração. É para lá que você tem de ir."
(Elizabeth Gilbert, Comer, rezar, amar)
Manhã
"Um galo sozinho não tece a manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro: de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzam
os fios de sol de seus gritos de galo
para que a manhã, desde uma tela tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão"
(João Cabral de Melo Neto)
terça-feira, 23 de junho de 2009
Persépolis
"In your lifetime, you're going to meet a lot of jerks. If someone hurts you, just tell yourself it's due to their lack of intelligence. That way, you'll never sink down to their level... Because there's nothing worse in this world than bitterness and revenge. Never lose sight of your dignity. Always stay true to yourself!"
segunda-feira, 22 de junho de 2009
domingo, 21 de junho de 2009
Céu
Ver o céu. Como quem tá dentro dele (o céu).
sábado, 20 de junho de 2009
Aprender o silêncio
Aprendera a se proteger, a ter uma casca. Fazer do casco sua casa, seu refúgio.
E assim as palavras machucavam menos. As lágrimas não brotavam. Sabia da mesquinhez e pequenez das palavras. E não deixava que elas a tocassem.
Aprendeu o silêncio. Aprendeu a indiferença.
Não, ela não carregava mágoas. Ela decidira que a sua mala seria sempre leve. Ela decidira não ter malas. Não carregava consigo apenas a sua casca-casa.
Sem mágoas e sem proferir palavra, ela poderia seguir serena e protegida.
Para que meus inimigos tenham pés, não me alcancem
Para que meus inimigos tenham mãos, não me peguem, não me toquem
Para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam
E nem mesmo um pensamento eles possam ter para me fazerem mal"
(Jorge Ben)
sexta-feira, 19 de junho de 2009
quinta-feira, 18 de junho de 2009
Decisão II
"É fato que isso não me preocupa muito, mas também que não quero lhe fazer mal. E não querer lhe fazer mal é a interpretação menos arriscada do amor. Também é fato que tudo teria corrido melhor se naquele tempo Alicia e eu nos tivéssemos visto, se Miguel não tivesse tomado a única decisão de sua vida. Mas quem de nós julga quem?"
(Quem de nós)
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Decisão
Tornou-se um estrangeiro, sem saber que, assim, seus caminhos dificilmente se reencontrariam. Não, ele não sabia, mas, ainda que soubesse, teria arriscado, afinal, tudo é risco, tudo é exposição, não?
terça-feira, 16 de junho de 2009
Da série "Tão legal que dá vontade de dividir"
segunda-feira, 15 de junho de 2009
Caminhada
domingo, 14 de junho de 2009
Frases
Fico pensando que Maracangalha é um dos meus segredos, que, onde quer que eu esteja, sempre posso estar em Maracangalha. Sempre.
A outra frase que me chamou a atenção foi: "Você é o meu descanso". Descanso.
Bom domingo pra todo mundo. E bom descanso.
sábado, 13 de junho de 2009
Um poema
A tenda ela desmontou
Aquele lugar deixou
E em busca de uma outra vida caminhou
Do tempo ela se afastou
Como quem se afasta de um velho amor
Tudo que era seu abandonou
Consigo apenas a tenda levou
sexta-feira, 12 de junho de 2009
Celebrar
Como a temática hoje é essa, uma letra de que me lembrei semana passada e que acho linda:
"Teresinha
Composição: Chico Buarque/Maria Bethânia
O primeiro me chegou como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia, trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens e as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio, me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada que tocou meu coração
Mas não me negava nada, e, assustada, eu disse não
O segundo me chegou como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente tão amarga de tragar
Indagou o meu passado e cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta me chamava de perdida
Me encontrou tão desarmada que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada, e, assustada, eu disse não
O terceiro me chegou como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada também nada perguntou
Mal sei como ele se chama mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama e me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não
Se instalou feito posseiro, dentro do meu coração"
quinta-feira, 11 de junho de 2009
Frida
Cobri meu primeiro caderno de faculdade com duas impressões de imagens de obras dela: uma na frente e outra atrás. A da frente era a La columna rota (A coluna quebrada) e a de trás um auto-retrato. Como eu me identificava com a La columna rota naquela época. Como aquilo era um retrato de mim então. E como eu simplesmente tentava não pensar! Como!
Mas aquele momento passou. Passou, o caderno acabou e a vida seguiu. A vida seguiu e eu segui com ela.
Não esqueci de Frida, mas já não a tinha todo o tempo diante de meus olhos. Não a tinha, mas voltei a ter, porque, há umas semanas, uma amiga me presenteou com um desenho de Frida que ela comprou pra mim, um desenho de Frida do pescoço pra cima, que reproduz as sobrancelhas inconfundíveis dela e que traz, coladas nos cabelos de Frida, três flores. Três flores. Três flores que agora vejo, quando olho pra ela.
A imagem aí de baixo é de La columna rota.
quarta-feira, 10 de junho de 2009
terça-feira, 9 de junho de 2009
segunda-feira, 8 de junho de 2009
Pra começar a semana
domingo, 7 de junho de 2009
sábado, 6 de junho de 2009
Bonde
sexta-feira, 5 de junho de 2009
Aprendizado
que da alegria
foste ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vid só consome
o que a alimenta.
(Ferreira Gullar)
quinta-feira, 4 de junho de 2009
febril
E não havia remédio que lhe curasse. Nem médico que explicasse o porquê daquela doença. As pessoas tolas, não entendima. Insistiam em chamar de doença o que era vida.
Não era doença, é amor. Não era febre, é fogo. Não era insônia, é desejo.
Liberdade
"A conquista difícil de um amor
Clarice Lispector
Encontrei um bom amigo numa fila em que estávamos na rua do bairro. Conversávamos animadamente quando meu amigo espantou-se e me disse:
- Olhe, que coisa esquisita.
Olhei para trás e vi, da esquina para a gente, um homem vindo com o seu tranquilo cachorro puxado pela coleira.
Só que havia no cachorro algo que não era cachorro. A atitude toda era a de um cachorro e a do homem era a de um homem com o seu cão. Este é que não era.
Tinha focinho comprido de quem pode beber em copo fundo, rabo logo e duro, espetado no ar - poderia, é verdade, ser apenas uma variação individual da raça. Meu companheiro de fila levantou a hipótese de se tratar de um quati, mas achei o bicho muito cachorro demais para ser quati.
Ou seria o quati mais resignado e enganado que já vi.
Enquanto isso, o homem calmamente vindo.
Calmamente, não: havia nele uma tensão. Era a calma de quem se controla e aceitou a grande luta. Pois seu ar era de um natural desafiador. Não se tratava de um homem pitoresco ou esquisito. Era por coragem que andava em público com o seu estranho animal. Eu estava, sem saber por que, intrigada. E vagamente angustiada.
Meu amigo sugeriu a hipótese de outro animal de que na hora não se lembrou o nome. Mas nada me convencia: havia um mistério na situação.
Só depois é que, aos poucos, eu entenderia que minha atrapalhação não era propriamente minha. Minha confusão vinha de que aquele bicho já não sabia mais quem ele era e portanto não podia me transmitir uma imagem nítida sua.
Até que o homem passou quase perto de nós. Sem um sorriso, costas duras, altivamente
se expondo - não, nunca foi fácil passar como vítima diante de qualquer fila humana que julga. Fingia prescindir de admiração ou piedade. Mas cada um de nós, por experiência própria, reconhece o martírio de quem está protegendo um sonho. É tão difícil manter vivo um sonho e fingir que é verdade - à custa de procurar não enxergar a realidade dentro de si.
Aproveitei o fato de o homem estar andando ao meu lado e ousadamente perguntei-lhe:
- Que bicho é este?
Intuitivamente meu tom fora suave para não feri-lo com uma curiosidade desumana e malsã.
Perguntei-lhe que bicho era aquele, mas a minha pergunta incluía talvez o tom de uma indagação mais profunda: "Por que é que você faz isso? que carência é essa que faz você inventar um cachorro? e por que não um cachorro de verdade, já que precisava de dar afeto a um bicho? pois se os cachorros existem! Ou você não teve outro modo de possuir a graça desse bicho senão com uma coleira? mas você sabe que a gente não se apodera sem mais nem menos de um amor? não sabe que você esmagaria uma rosa se a apertasse demais com a força do amor?"
Tudo isso que não disse estava incluído na pergunta. Sei que o tom é uma unidade indivisível por palavras, sei que, se eu aprofundasse demais a coisa, estaria também eu esmigalhando uma rosa. Mas sei que estilhaçar o silêncio com palavras é um dos meus modos desajeitados de amar o silêncio. E que é assim que muitas vezes tenho assassinado aquilo que me forço a compreender. Se bem que, glória a Deus, uso mais o silêncio que as palavras.
O homem, sem parar, respondeu curto, reservado, embora sem aspereza.
E era quati mesmo, por Deus!
Ficamos olhando. Meu amigo e eu nem sorríamos. E ninguém na fila riu-se do homem: esse era o tom, essa era a intuição. Mas olhar pode-se. E sentir.
Era um quati que se pensava cachorro.
Às vezes, com seus gestos de cachorro, retinha o passo para árvores e coisas, o que retesava a coleira e retinha um pouco o dono, exatamente na usual sincronização de homem versus cachorro.
Acompanhei com o olhar esse quati que nào sabe quem é.
Imagino: se o homem o leva para brincar na praça e tomar ar, tem uma hora em que o quati se constrange todo:
- Mas, santo Deus, por que os cachorros me olham tanto, como se não fosse um deles? e por que me cheiram desconfiados?
Imagino também que, depois de um perfeito dia de cachorro, o quati se diga melancolicamente, olhando as estrelas:
- Que é que tenho afinal? que me falta? sou tão feliz quanto qualquer cachorro bem tratado! por que então este vazio, esta nostalgia e tanta saudade não sei de quê? que ânsia é esta como se eu só amasse o que não conheço?
E o homem - o único ser que pode livrá-lo da pergunta - esse homem criminoso nunca lhe dirá que ele é um quati - para não perdê-lo para sempre.
Penso: quantas pessoas são o patinho feio que na verdade será um belo cisne depois revelado? O quati que era um cachorro feio a revelar-se um dia um quati de verdade, outra raça, outro destino. Quantas pessoas não estão sendo o que realmente são? Além de grave, a troca de personalidade é angustiante, mal se pode disfarçar. Penso em maridos ou esposas que não dão direito ao outro de ser o que realmente é - e nunca contam o segredo.
E penso também na iminência de ódio que há no quati.
Ele sente amor e gratidão pelo homem que cuida dele. Mas por dentro não há como a verdade deixar de existir: o quati só não percebe que o odeia porque está vitalmente confuso. Eu sei, porque sinto ódio quando não me deixam ter a minha verdadeira realidade (qual?). Fico vitalmente confusa e não perdoo.
Não, às vezes eu perdoo - porque quem me toma por outra, precisa muito dessa outra inventada.
(...)
E se ao quati fosse de súbito revelado o mistério de sua verdadeira natureza?
Tremo ao pensar no fatal acaso que fizesse com que esse quati inesperadamente se defrontasse com outro quati.
E nele reconhecer-se. "Eu sou igual a ele." Tremo ao pensar nesse instante em que ele ia sentir o mais feliz pudor que nos é dado: eu sou eu... nós somos iguais...
Bem sei, ele teria direito - quando soubesse - de massacrar o homem com o ódio pelo que de pior um ser pode fazer a outro ser: adulterar-lhe a essência a fim de usá-lo.
Eu sou a favor de bicho: tomo o partido das vítimas do amor ruim.
Mas imploro a esse quati que perdoe com bondade o homem. E que o perdoe com muito amor. Antes de abandoná-lo para sempre, é claro."
A Clarissa, que, uma vez, me mandou um conto de Caio Fernando sobre dragões, um conto que, pra mim, tem uma ponte com o texto aí de cima.